Créditos da imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Relatório aponta quatro anos de descaso com a educação no país

A plataforma Todos Pela Educação divulgou terça-feira (25) uma análise do governo do presidente Jair Bolsonaro em relação à Educação. A conclusão é de que foram “quatro anos perdidos”, que levarão a “graves retrocessos nas trajetórias escolares e no desenvolvimento do país”. Houve desde decisão errada na escolha de ministros, falta de planejamento para a área, cortes no orçamento a escolha de pautas desconectadas com a realidade.

Para Priscila Cruz, presidente executiva da plataforma, a avaliação do conjunto de ações no período leva à conclusão de que o governo Bolsonaro “sabotou a Educação”. Segundo ela, o governo não propôs nada substancial para impulsionar o ritmo de avanço que vinha sendo mantido ou, ao menos, para atenuar os danos e desigualdades trazidos pela pandemia.

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“Nesses últimos anos, foi o protagonismo do Congresso Nacional e dos estados e municípios que impediram uma tragédia maior”, afirma.

De acordo com o relatório, o período revelou uma coleção de escolhas erradas na direção do Ministério da Educação (MEC). Além de várias nomeações – cinco, em três anos e meio -, houve falta de planejamento para a área e de apoio aos estados antes, durante e depois da pandemia. A gestão, aponta a análise, girou em torno de “pautas de costumes e desconectadas das reais necessidades, incapazes de mudar o ponteiro da aprendizagem das crianças e dos jovens em larga escala ou fazer avançar as demandas estruturais da área”.

Segundo o relatório, um capítulo à parte da gestão atual na educação é a questão orçamentária. A área vem passando, desde o início do mandato, por consecutivos contingenciamentos, bloqueios e cortes. “A má execução orçamentária da pasta, largamente registrada pelo Todos Pela Educação evidencia o descaso e a falta de prioridade para a área ao longo de todo o mandato de Bolsonaro”, aponta o documento.

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Veja a linha do tempo construída pela plataforma para o período do governo Bolsonaro:

2019

Janeiro

  • Nomeação do ministro Ricardo Vélez Rodríguez
  • Falta de políticas consistentes e aparelhamento da gestão em favor de pautas ideológicas de interesse do governo.
  • Vélez promete dar ênfase à Educação moral e cívica nas escolas, em todas as etapas da Educação Básica.

Fevereiro

  • A agenda é apresentada, mas sem detalhamento ou um plano estruturado. A política de alfabetização foi sinalizada entre as 100 metas prioritárias do governo.
  • Primeira crise do ministério. Vélez propõe que os diretores das escolas apresentassem aos alunos uma carta com o slogan de Bolsonaro e filmassem os estudantes durante a execução do Hino Nacional.
  • A ação, sem precedentes na história da pasta, demonstrou o que viria a ser frequente no MEC: falta de foco em questões relevantes para a área.

Março

  • Vélez suspende a avaliação da alfabetização dos estudantes por dois anos.
  • Carlos Nadalim é nomeado secretário de Alfabetização do MEC e vira alvo de críticas por não ter experiência com gestão pública, estar alinhado ao filósofo Olavo de Carvalho e ser entusiasta do homeschooling.
  • O desgaste público de Vélez e disputas entre os chamados “olavistas” e militares provoca uma série de exonerações atingindo os dois lados no alto escalão do MEC.
  • Esse foi o prenúncio de disputas ideológicas e uma dança das cadeiras que marcariam a pasta ao longo dos anos.

Abril

  • É sancionado um decreto sobre a Política Nacional de Alfabetização mas falta clareza sobre a sua implementação.
  • Sem gráfica para a impressão das provas e tampouco coordenador, o Enem 2019 fica ameaçado.
  • Vélez exonera o presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), Marcus Vinicius Rodrigues, após a polêmica envolvendo o fim da avaliação da alfabetização.
  • Paulo César Teixeira, diretor de Avaliação da Educação Básica (diretoria responsável pela realização do Enem), pede demissão.
  • Nova gráfica é contratada para imprimir as provas do Enem, sem licitação.
  • Uma foto da prova de redação vaza na internet durante a aplicação do exame. A Justiça chega a suspender a divulgação do Sisu (Sistema de Seleção Unificada).
  • O olavista Abraham Weintraub assume, mas tem uma gestão caótica, marcada pela intensa perseguição ideológica às universidades federais e bravatas nas redes sociais.
  • O MEC anuncia o congelamento de R$ 1,7 bilhão dos gastos das universidades, de um total de R$ 49,6 bilhões. Quatro mil e quinhentas bolsas de iniciação científica, mestrado ou doutorado são suspensas.
  • Em pouco mais de três meses, há 18 trocas de cargos do MEC. Um monitoramento técnico feito pelo Todos Pela Educação, à época, confirma o diagnóstico de paralisação.

Julho

  •  O MEC apresenta plano para a implantação de 108 escolas cívico-militares até 2023 – com militares da reserva como tutores das novas unidades.
  • Especialistas criticam o modelo pedagógico equivocado e excludente, em vez da prioridade ao Ensino em Tempo Integral, que beneficiaria população muito mais ampla de estudantes da Educação Básica Pública.

Agosto

  • O MEC publica o caderno da Política Nacional de Alfabetização (PNA).
  • O material é analisado por especialistas como um marco teórico insuficiente para fundamentar uma política pública efetiva.

Setembro

  • O MEC retira apoio de proposta que prevê Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) permanente, sob a justificativa de que aumentar a complementação de 10% para 40% seria inviável do ponto de vista fiscal.
  • O presidente Jair Bolsonaro determina ao MEC a criação de um projeto de lei para proibir a abordagem de questões de gênero nas escolas de Ensino Fundamental.
  • Weintraub entrega ofício para as redes de ensino retomando as diretrizes do movimento Escola sem Partido.

2020

Janeiro

  • Seis mil candidatos são afetados por erro na correção do Enem, a que Weintraub se refere como “probleminha”.

Março

  • O diagnóstico de paralisia é apontado pelo Todos Pela Educação e pela comissão externa da Câmara dos Deputados, segundo os quais o ministro Weintraub estava mais focado em questões ideológicas do que nos interesses da Educação.
  • A covid-19 desembarca no Brasil e tem início uma crise sanitária sem precedentes, que afetaria a educação de maneira profunda.
  • As escolas fecham as portas e o Brasil viria a ser o quarto país do mundo que mais tempo manteve as crianças longe das aulas presenciais, o triplo de tempo na comparação com países mais ricos.
  • As redes de ensino recorrem à infraestrutura tecnológica sem apoio do MEC. Há omissão na coordenação e articulação de orientações, que, ao final, são supridas por entidades de fora do governo, como organizações do terceiro setor.

Maio

  • O MEC adia o Enem 2020 para o ano seguinte, mas sem indicação de adaptação dos calendários universitários ou proposta de recomposição da carga horária dos estudantes.

Julho

  • Carlos Decotelli é indicado mas não ocupa a principal cadeira do MEC, depois de universidades negarem as titulações de doutorado e pós-doutorado que o candidato havia informado na plataforma Lattes. Ele ainda foi acusado de plágio em dissertação de mestrado da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
  • O MEC propõe alterar pontos centrais do texto da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para renovação do Fundeb, como o de que ele vigorasse apenas em 2022 e não em 2021, conforme proposta do Congresso.
  • O episódio mostrou o descompasso do governo com as necessidades da área, em um contexto de pandemia, que exigia a aprovação rápida do fundo.

Julho

  • Milton Ribeiro assume, sem experiência em políticas públicas, em um dos mais preocupantes cenários da pandemia, com o fechamento prolongado das escolas.
  • Novamente, a pauta de costumes recebeu destaque e sua gestão foi marcada por omissão na coordenação da Educação frente à pandemia.

Agosto

  • O novo Fundeb é aprovado pelo Congresso e traz uma política bem elaborada, com foco na redução de desigualdades e com novos incentivos ao avanço dos indicadores de qualidade educacional.

Outubro

  • O MEC divulga, tardiamente, um guia com orientações para a possível volta às aulas presenciais. Especialistas avaliam que o apoio às redes continuava tímido, o que ficou ainda mais evidente pela baixa execução orçamentária da pasta naquele ano.
  • Entra em vigor o decreto que estabelece a Política Nacional de Educação para Alunos com Deficiência, analisada por especialistas como um dos maiores retrocessos na área de inclusão das últimas décadas.
  • O dispositivo, que incentivava a criação de escolas especializadas para atender pessoas com deficiência, seria suspenso em dezembro daquele mesmo ano após ação alegando inconstitucionalidade.  

2021

Janeiro

  • Ao contrário de outros países, o MEC não fez nenhum mapeamento do impacto da pandemia na vida dos estudantes. E ignorou a erosão do ensino no Brasil indicada por entidades e organizações, como Unicef, Todos Pela Educação, Banco Mundial e OCDE, entre outras.
  • O Enem 2020 tem a menor participação da década e o ministro Ribeiro atribui a queda aos professores. À época, especialistas e o Todos Pela Educação levantaram uma série de preocupações sobre o plano para aplicação do exame e de segurança sanitária.

Março

  • O governo federal elenca o Ensino Domiciliar como única prioridade do MEC, em carta com 35 propostas para o Congresso Nacional. Além de pedagogicamente equivocada, a modalidade atinge apenas 0,04% dos alunos, deixando de lado o apoio às redes, no período de ensino remoto, e temas estruturais, como a regulamentação do Fundeb e o Sistema Nacional de Educação.

Julho

  • O MEC defende a volta às aulas, mas sem o devido suporte para a adequação das redes às necessidades sanitárias, como a ventilação dos espaços.
  • No dia do anúncio, o país registrava 1.425 mortes por covid-19 em 24 horas.

Novembro

  • Ribeiro anuncia projeto para implantação de 216 escolas cívico-militares em todo o país até 2022. Novamente, uma proposição descalibrada em relação às reais necessidades da Educação Básica Pública, que vivia a reabertura gradual das escolas e estava às voltas com o aprofundamento das desigualdades.
  • A edição do Enem 2021 ocorre em meio a demissões no Inep e de rumores de trocas de questões dos exames por problemas ideológicos.
  • O ministro Ribeiro nega, mas o MPF (Ministério Público Federal) identifica um “tribunal ideológico” por parte do governo.
  • O presidente da autarquia naquele período, indicado por Ribeiro, era Danilo Dupas Ribeiro (quinto a assumir o posto desde 2019).
  • Dupas é acusado por servidores de promover um desmonte no órgão, com decisões sem critérios técnicos, e de assédio moral.

2022

Fevereiro

  • Falhas técnicas para o acesso às notas do Enem 2021 seriam denunciadas por estudantes.

Março

  • Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo revela o chamado “gabinete paralelo” do MEC, mostrando que religiosos ligados a Ribeiro e sem vínculo com a administração pública atuaram como lobistas na distribuição de verbas federais do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) para municípios.
  •  À Comissão de Educação do Senado, três prefeitos confirmaram a cobrança de propina – em dinheiro escondido em pneus, compra de bíblias e ouro. Um áudio divulgado pela Folha de S.Paulo em 21 de março revela a possibilidade de envolvimento do presidente Jair Bolsonaro no caso.

Abril

  • Victor Godoy Veiga assume o Ministério interinamente, após Ribeiro deixar a pasta sob suspeitas de repasses de verbas a municípios escolhidos por pastores sem ligação ou trabalho oficial na gestão pública.

Julho

  • Danilo Dupas Ribeiro deixa a presidência do Inep, depois do escândalo de corrupção no MEC.
  • A Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022, altera a arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços) e concretiza enorme perda para a educação básica do país.
  • O presidente Jair Bolsonaro veta o trecho que resguardava as vinculações de receitas do Fundeb proporcionalmente à dedução dos contratos de dívida dos estados e o mecanismo que previa a compensação pela União para a manutenção da disponibilidade financeira para a saúde e a Educação.
  • Segundo avaliação da Comsefaz (Comitê Nacional de Secretarias de Fazenda), a magnitude do impacto no Fundeb poderia ser de até R$ 26,5 bilhões.
  • Relatório da comissão externa da Câmara dos Deputados que acompanha os trabalhos do MEC reforça, mais uma vez, a omissão da pasta no papel de coordenadora da política nacional de Educação, “deixando estados e municípios desamparados”.

Outubro

  • Lançado em novembro de 2021, o aplicativo GraphoGame chama a atenção do país, um ano depois, quando o presidente Jair Bolsonaro, em debate eleitoral, atribui ao aplicativo a capacidade de alfabetizar estudantes do Ensino Fundamental em apenas seis meses.
  • Os tradutores do app, que é originalmente finlandês, desmentem a afirmação, dizendo que ele serve apenas como apoio à alfabetização.

Cortes e contingenciamentos

2019 – No fim de abril, o MEC anuncia o congelamento de R$ 1,7 bi dos gastos das universidades, de um total de R$ 49,6 bilhões. Em julho, um bloqueio do orçamento atingiu R$ 348 milhões da Educação — maior corte da Esplanada dos Ministérios. Em agosto, Weintraub disse que o corte de R$ 926 milhões na Educação foi para pagar emendas.

2020 – Uma pesquisa do Todos Pela Educação revelou, em fevereiro, que 2020 havia sido o ano com menor gasto do MEC com Educação Básica desde 2010. Naquele ano, apesar da pandemia, a pasta dedicou pouco mais de R$ 10 por aluno pelo programa Dinheiro Direto na Escola. Áreas de destaque do Ideb foram afetadas por corte de R$ 1 bilhão, em setembro.

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2021 – Milton Ribeiro deixou de investir R$ 1,2 bilhão para reestruturar escolas e precisou ir à Câmara para explicar os cortes orçamentários na pasta. Deputados denunciaram “escolha política”. Um erro do governo em março levou a erros milionários em transferências de recursos do Fundeb e prejuízos aos cofres da União.

2022 – O governo federal determinou em maio o corte de 3,2 bilhões do orçamento do MEC, o que afetou 14,5% das políticas da pasta, universidades, institutos federais e órgãos como o Inep. Em outubro, 2,4 bi foram cortados do MEC, o que foi visto como insustentável pelas universidades federais.

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