Danos socioambientais e desperdício financeiro evidenciam os problemas cada vez maiores causados pela superprodução e descarte incorreto da indústria mundial de eletrônicos.
Celulares, computadores, equipamentos industriais, eletrodomésticos, e até hardware de inteligência artificial (IA): em um mundo cada vez mais conectado, a quantidade de resíduos eletrônicos – também conhecidos como lixo eletrônico, REEE (Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos) ou e-waste (em inglês) – não para de aumentar.
Apenas no Brasil, em 2019, a geração desse resíduo ultrapassou a marca de 2 milhões de toneladas, o que equivale a uma média de mais de 10 quilos por habitante, tornando o país um dos maiores geradores de lixo eletrônico do mundo.
O superdescarte não é somente um problema brasileiro, mas global. Em 2019, estima-se que tenham sido geradas 53 milhões de toneladas de lixo eletrônico em todo o mundo. Porém, apenas 17% desse total receberam tratamento adequado do ponto de vista ambiental, envolvendo processos de despoluição e reciclagem, por exemplo. Isso nos mostra que a capacidade de reciclar ou reintegrar esses equipamentos no final de suas vidas úteis é, ainda, negligenciada por essa indústria.
Além disso, um relatório da Organização das Nações Unidas revela que a gestão adequada desses resíduos na América Latina representa, na verdade, uma oportunidade econômica. Isso se deve ao fato de que esse resíduo abriga materiais como ouro, metais raros, ferro, cobre e alumínio, cujo valor combinado ultrapassa a marca de 1,7 bilhão de dólares em matéria-prima secundária.
Em relação aos impactos socioambientais, pode-se dizer que, nesse lixo descartado, há, geralmente, a presença de substâncias tóxicas, como mercúrio e chumbo, além da emissão de gases de efeito estufa, o que pode resultar em poluição do solo e do ar e até em problemas na saúde humana.
O lixo eletrônico também nos evidencia a desigualdade social e econômica da dinâmica dessa cadeia. Isso porque de 7 a 20% das 53 milhões de toneladas desse lixo é exportado para nações consideradas não desenvolvidas, seja como como produtos de segunda mão ou até mesmo com lixo eletrônico ilegal. Essa situação é semelhante ao que acontece na indústria da moda, na qual países desenvolvidos enviam roupas usadas para o Sul Global.
Porém, a indústria de eletrônicos está longe de conseguir lidar com a quantidade de lixo que gera e de alcançar ideais de sustentabilidade no setor. A atual cadeia de produção segue um modelo linear, que, em vez de aproveitar materiais já extraídos, cria uma pressão crescente para a extração de novas matérias-primas. Essa lógica, aliada à constante e acelerada demanda por produzir novos produtos, contribuem para a intensificação do problema do superdescarte.
A inteligência artificial tem sido apontada como uma solução para diversas situações sociais e ambientais, desde a identificação doenças com maior precisão, ou até mesmo potencializando soluções para a sustentabilidade.
Contudo, é preciso lembrar que, para além de ser um simples programa de software, a IA frequentemente se integra com componentes de hardware específicos, tais como servidores e unidades de processamento gráfico. Esses componentes, quando obsoletos, podem envolver o descarte de componentes eletrônicos complexos. Por isso, o gerenciamento desse resíduo pode exigir estratégias específicas, como a reutilização de servidores em aplicações menos intensivas ou a reciclagem responsável.
Ademais, a Inteligência Artificial tem potencial para atuar como um impulso à promoção da circularidade no setor eletrônico, uma vez que pode oferecer tecnologias que auxiliem no gerenciamento e na redução da quantidade de resíduos eletrônicos, por exemplo.
Para reduzir a quantidade de resíduos eletrônicos descartados, é urgente, além de se produzir somente o necessário, adotar práticas de circularidade que diminuam a necessidade de extração de matéria-prima a partir do zero. Nesse contexto, o incentivo a políticas como o Programa Nacional de Logística Reversa e o estímulo aos fabricantes para assumirem responsabilidade pelo ciclo completo de vida de seus produtos, desde a produção até o descarte, se tornam algumas das alternativas fundamentais.
Claudia Castanheira é comunicadora socioambiental, professora e pesquisadora com foco em sustentabilidade e justiça socioambiental. É mestra em Discurso e Sustentabilidade (USP), fundadora do Brechós pelo Mundo e colaboradora do Fashion Revolution da Bélgica. @euclaudiacastanheira
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