Se anteriormente seus antepassados navegaram pelo Oceano Pacífico para colonizar o arquipélago de Tuvalu, hoje, com o agravamento das mudanças climáticas, Gracie Malie e sua geração poderão ver a nação insular ser engolida pelas ondas.
A população que vive às margens do Pacífico está no nível mais crítico de risco diante das mudanças climáticas, condição que indica também que os danos ambientais mais graves são a marca registrada da “era” da humanidade, o chamado Antropoceno.
Oceanos, solos e florestas foram perigosamente esgotados e os principais sistemas de garantia à vida em todo o planeta estão em risco.
Os combustíveis fósseis que impulsionaram a prosperidade desde a revolução industrial já aumentaram a temperatura do planeta em quase 1,2ºC, desencadeando severas mudanças climáticas e ameaçando arquipélagos inteiros, que podem desaparecer com o aumento do nível do mar.
Malie conta que, neste cenário que pode destruir sua casa para sempre, seria fácil pensar que “não se tem um futuro”. Mas a ativista climática de 24 anos acrescenta que os mais jovens estão empenhados em garantir o seu próprio destino — mesmo que não consigam parar as emissões de aquecimento do planeta por conta própria.
“Eu continuo esperançosa com o fato de que a geração atual está agindo com as próprias mãos”, disse à AFP.
Malie contou a história de sua comunidade como parte de seu papel na Rising Nations Initiative, uma parceria global lançada pelas nações dos atóis do Pacífico para preservar sua soberania e herança.
“Eu acho que pode haver soluções, coisas que nunca pensamos antes, ideias inovadoras”, afirmou.
No ano passado, o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU informou que pessoas em todo o mundo estavam enfrentando incertezas ligadas às “pressões planetárias desestabilizadoras e desigualdades do Antropoceno”, além de transformações sociais e polarização política.
Pedro Conceição, que coordena o estudo, teme que o medo do “colapso” esteja obscurecendo a habilidade dos seres humanos de contemplarem uma forma de evitar o perigo.
Cientistas e ativistas climáticos têm expressado cada vez mais preocupação de que uma sensação de “desastre” inevitável esteja atuando como um freio diante da ação necessária para enfrentar as crises do clima e da biodiversidade.
Com cada fração de grau crucial na batalha para limitar os danos do aquecimento, Erle Ellis, professor da Universidade de Maryland, admite que “o melhor momento para ser 100% neutro em carbono é ontem”. No entanto, ele acredita que os seres humanos não estão presos neste ciclo de destruição.
“Nós somos capazes de aproveitar quantidades inacreditáveis de energia para fazer coisas em escala, podemos voar, podemos deixar o planeta”, afirmou, acrescentando que “as coisas estão mudando muito rápido agora, então há muitos futuros possíveis que nunca teriam existido no passado, mas que são realistas agora”.
Ellis, cuja pesquisa se concentrou em como seria uma forma de administração humana sustentável do planeta, acredita que a capacidade de se comunicar e cooperar em uma escala sem precedentes nos ajudará a enfrentar desafios futuros.
“Como uma escritora, criadora, é terrivelmente fácil construir distopias”, disse a romancista Manda Scott, indicando a falta de um elemento crucial nestas histórias — como evitar a catástrofe.
A autora acredita que a resposta está nas “thrutopias”, que contam histórias de transformação, como em seu próprio romance thrutopiano que ainda será publicado.
“Nossa ideia de futuro está duramente associada ao sistema atual. É mais fácil imaginar a total extinção da vida na Terra do que o fim do capitalismo predatório, porque pensamos que é assim”, disse Scott, que realizou uma série de workshops para compartilhar suas ideias com outros escritores.
A romancista descreve que vislumbrar o tipo de transformação que as sociedades humanas podem passar para prosperar em conjunto com a natureza é semelhante a adivinhar que forma uma lagarta pode assumir na forma adulta.
“Se você não conhece esse processo, garanto que não há como prever que uma borboleta nasceu de uma lagarta”, disse ela.
Poucos lugares enfrentam a possibilidade de mudanças radicais de forma mais direta como as nações insulares do Pacífico, com algumas se tornando inabitáveis, mesmo que se cumpra a meta do acordo de Paris de limitar o aquecimento de longo prazo a 1,5°C.
Tuvalu, Kiribati e as Ilhas Marshall estão solicitando um acordo global que garanta a “existência permanente” de seus estados, além do tempo de vida habitável em seus atóis.
Para preservar histórias reais, Grace Malie faz parte de um projeto em andamento da Rising Nations Initiative com o objetivo de registrar histórias orais para um arquivo cultural online, uma iniciativa que busca o reconhecimento da cultura de Tuvalu pela UNESCO.
Seu avô, descendente de líderes da região, foi um dos entrevistados. Um historiador da terra e guardião da árvore genealógica, o homem de 75 anos pode traçar uma herança que remonta a gerações.
“A população do Pacífico vem de uma longa linhagem de viajantes, de guerreiros e carregam essa paixão, essa resiliência. E isso é passado para nós agora, e esperamos deixá-los orgulhosos”, finalizou Malie.
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