A última fase do julgamento sobre a adoção ou não do chamado "marco temporal" para demarcação de terras indígenas será retomado nesta quarta-feira (7), no Supremo Tribunal Federal. O julgamento foi paralisado em 2021 com pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, e voltou à corte este ano, em meio a polêmica da aprovação da regra na Câmara dos Deputados, há uma semana. A demarcação de centenas de terras ancestrais é considerada por ambientalistas uma barreira contra o desmatamento.
É uma regra que delimita os territórios indígenas apenas para comunidades que comprovem que já habitavam determinado local quando a Constituição Federal foi promulgada (1988).
Na prática, o projeto de lei que formaliza o marco temporal (PL 490) – elaborado em 2007- tenta tirar do Poder Executivo, por meio de alteração na legislação atual, o direito pleno de decidir sobre demarcações de terra, dando espaço para os parlamentares legislarem sobre o tema, e assim “garantir a harmonia constitucional” nas questões que envolvem as demarcações das terras indígenas.
Concretamente, o STF debate o caso do território Ibirama-Laklano, em Santa Catarina (sul), que em 2009 perdeu status de terra indígena após uma decisão em primeira instância sob o argumento de que as comunidades não estavam vivendo ali em 1988.
A decisão do Supremo sobre o tema vai valer também para todas as ações – mais de 80 casos de disputas de terras – que estão em outras instâncias da Justiça. Ou seja, o que o STF definir terá repercussão em todo o país e pode representar uma grande perda (em caso de aceitação do marco temporal) para os povos indígenas.
Em abril, o presidente Lula aprovou seis novas reservas indígenas, as primeiras em cinco anos, já que o governo de Jair Bolsonaro cumpriu a promessa de não demarcar “nem um centímetro a mais” de terra durante seu mandato.
O placar está empatado em 1 a 1. O relator do caso, ministro Edson Fachin, já se manifestou contra a medida, por entender que o artigo 231 da Constituição reconhece o direito de permanência desses povos originários independentemente da data em que eles ocuparam a terra.
Já o ministro Nunes Marques, por sua vez, votou a favor da tese, argumentando que “os interesses dos indígenas não se sobrepõem aos interesses da defesa nacional”.
Essa é exatamente a discussão que se faz em torno do tema e por isso ele foi parar na corte suprema do país.
Em entrevista ao site Congresso em Foco, o jurista e ex-ministro do STF, Ayres Britto, considera o projeto inconstitucional, pois a demarcação é uma questão exclusiva da Constituição e é um direito básico dos povos indígenas.
Britto foi relator de um julgamento também famoso, do território Raposa Terra do Sol, em Roraima, em 2009. O conceito de marco temporal começou ali, embora o ministro tenha votado pela manutenção da reserva indígena.
“A tese do marco temporal não constou no meu voto originário. Foi trazido a lume em um voto vista do ministro Carlos Alberto Direito. Como foi voto vencido, tive que colocar no acórdão o marco temporal”, diz o ex-ministro.
Britto explicou ainda que registrou suas ressalvas à tese do marco temporal, na época.
“Eu ponderei que é preciso ressalvar as situações em que comunidades indígenas, na data de 5 de outubro de 1988, pudessem não estar ocupando aquela terra por questões de esbulho, de expulsão, de violência. Nesses casos, o direito delas à demarcação deveria persistir”, relembrou.
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