Tempo Quente: falamos com Giovana Girardi, criadora do podcast sobre o negacionismo climático à brasileira

A jornalista Giovana Girardi conversou com o Curto News sobre o “Tempo Quente”, podcast que explica quem “acha que tá ganhando” em meio ao colapso do clima e como surgiu o “agro é pop”. A jornalista compartilha suas inquietações sobre o Brasil estar indo na contramão da emergência climática.

Publicado por
João Caminoto

“Você tem um minuto pra ouvir a palavra do ambientalismo sobre os impactos do aquecimento global e tudo que a gente não tá fazendo pra resolver esse problema? Não, né? Que bom, porque às vezes eu sinto que eu tô enxugando gelo sobre esse assunto. Ainda mais no Brasil atual.”

 Já na abertura do podcast Tempo Quente, Giovana Girardi avisa que seu foco não é desenrolar sobre a crise climática e a sua urgência,  mas por que “se tá todo mundo perdendo” com o problema, ainda não estamos fazendo nada ou muito pouco para combatê-lo.

Giovana Girardi é repórter especializada em Ciência e Meio Ambiente há 20 anos. Passou por veículos como Folha de S.Paulo, a Revista Galileu e o Estado de S.Paulo e foi fellow pela Knight Science Journalism pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT).


Inquietação

“O podcast Tempo Quente nasceu de uma inquietação: tem muita pesquisa mostrando qual é o tamanho do problema [climático], é um consenso internacional. Existe um senso muito claro de urgência, e de que a situação do clima está piorando muito rápido, mundialmente, e pouco tem de ação para mudar isso. Eu sempre vi muito esse descompasso: entre a Ciência, a necessidade de agir, e as ações propriamente ditas. Enquanto uma coisa perde urgência, a outra é muito lenta”.

Podcast desvenda lobby

“A ideia (do podcast) era fazer uma discussão mais ampla, que não fosse uma discussão de clima, meio ambiente, ou de ciência. Eu queria discutir política, economia e o que são os entraves que fazem essa engrenagem [do combate à crise climática] não funcionar? Por que, de fato, a gente não está combatendo o problema como poderia e deveria?

E porque não se combate?  Muitas das condições que temos são propícias para combater, por exemplo, o desmatamento, que é a nossa principal fonte de gases de efeito estufa. Então, a ideia era entender como as forças políticas, econômicas se articulam para manter um modelo de desenvolvimento que acaba nos mantendo no atraso quando o assunto é o clima. Como funcionam essas articulações? E aí eu bati na porta da Rádio Novelo, e eles também estavam interessados em fazer um podcast sobre negacionismos. Nós chegamos a esse formato, comecei a trabalhar em maio de 2021 e o primeiro episódio foi ao ar no dia 7 de junho. ”

O Tempo Quente tem site próprio e está disponível nas maiores plataformas de streaming do Brasil. O podcast é uma produção original da Rádio Novelo e foi roteirizado pela Giovana e a Paula Scarpin. Veja quem mais fez parte da equipe do podcast.

Brasil tem a faca e o queijo na mão

“O papel do Brasil [no combate às mudanças climáticas] era uma das coisas que me inquietava muito, porque é um país que tem a faca e o queijo na mão, as condições para fazer as coisas direito, por uma série de questões, e não faz! E isso piorou muito nos, obviamente, nos últimos quase quatro anos, a gestão Bolsonaro piorou muito essa situação.

Tem uma coisa curiosa que abordamos muito no 8º episódio do Tempo Quente. Há uma série pesquisas de opinião, feitas no Brasil, perguntando ‘você acredita em mudanças climáticas, aquecimento global, acredita que é um problema para sua vida?’ Em geral, a nossa população se diz muito preocupado com esse assunto. Então, por que elegeu um negacionista? E não só o presidente, mas tantos outros – se pensarmos em um Congresso brasileiro que age contra essa agenda [ambiental].

“Mais de 80% dos brasileiros disseram que o aquecimento global é muito importante, mais de 60% estão ‘muito preocupados’ e 65% acreditam que pode ser muito prejudicial para eles e sua família. Quando perguntados se preferiam a proteção do meio ambiente, mesmo que isso significasse menos crescimento econômico e menos emprego, quase 80% dos entrevistados disse que sim.
Dados: Mudanças Climáticas na Percepção dos brasileiros (2021). 8º episódio: Tem ‘boi na linha’, Tempo Quente
Essas e outras pesquisas que são parte da apuração estão lá no site do Tempo Quente, de acordo com o episódio em que aparecem.

Desinformação

“A sociedade não compreende a conexão entre os fatores que causam o aquecimento global e as consequências. E eu acho que um dos pontos é que as pessoas não entendem exatamente as conexões entre as coisas. Ouvindo especialistas,  há uma ideia de que falta muito para a situação piorar.  Em geral, as pessoas acham que as mudanças climáticas só serão sentidas daqui há 100 anos.  Mas a gente tá falando do agora. Essa é uma chavinha ainda difícil [de virar] e de entender.”

Amazônia

“O desmatamento da Amazônia, hoje, é o que há de mais insustentável no Brasil. Em 2014, teve uma crise hídrica muito brutal em São Paulo. Na época, muita pesquisa mostrou como os Rios Voadores que chegam ao Centro-Oeste e Sul do país são formados pela transpiração das árvores da Amazônia. 

Quando se tem crises, tenta-se criar muitas conexões e falar sobre elas. A gente até ouve algo, no momento de crise, mas não é bem incorporado. Se tem uma noção de um problema longe, pro fim do século e que não é de responsabilidade de cada um. E a gente tem um problema de que as autoridades  tratam isso como algo raro, que aconteceu, quase botando a culpa em São Pedro. E, em 2021, o Brasil teve a maior crise hídrica dos últimos 91 anos. 

Mas, se a gente está desmatando a Amazônia e isso está diminuindo a quantidade de chuvas no Sul e Sudeste, ou, se, como Planeta, estamos emitindo uma quantidade absurda de gases de efeito estufa e isso está aumentando a ocorrência de eventos extremos – como secas ou chuvas intensas – isso é um problema de todos! É um problema de cada um de nós.

É difícil você compreender que um conjunto de eventos têm uma causa comum (a concentração de gases de efeito estufa). Por um lugar haverá mais chuvas e outro, secas. E aí as pessoas falam ‘cadê o aquecimento global?’. Por que, quando você está vendo a notícia, o outro está sentindo [a mudança na temperatura] e não necessariamente você”.

Mudanças na cobertura do clima desde 2002?

“O conhecimento científico aumentou demais. O grau de certeza, de confiabilidade nas informações e a noção do tamanho da encrenca que a gente está se metendo aumentou.

Em 2002, estava tendo as negociações do Protocolo de Kyoto, em que só os países ricos tinham que se comprometer com as mudanças climáticas. No Acordo de Paris em 2015, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) foi convidado a estudar qual seria a diferença, em termos de impacto, do aquecimento do planeta em 1,5ºC e 2ºC. E é brutal a diferença (contando o risco à vida e a biodiversidade, por exemplo). A quantidade de pessoas que podem morrer nas ondas de calor é impressionante (veja o que está ocorrendo na Europa, agora).

Então você vai afinando e percebendo os efeitos cumulativos do problemas. A consciência político-econômica sobre o problema também avançou, com algumas importantes exceções, avançou. O negacionismo também cresceu. Gente que não quer mudar também cresceu. ”

Onde se informar sobre sustentabilidade

“Tem muito veículo mais independente hoje, trazendo notícia legal sobre o assunto, para além dos grandes jornais. Eu também sigo muitos ambientalistas que estão fazendo um esforço de comunicação, e ambientalistas focados no tema.”



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Este post foi modificado pela última vez em 3 de janeiro de 2023 16:46

João Caminoto

Jornalista com mais de 30 anos de experiência, ocupei diversos cargos - desde repórter, passando por correspondente internacional até diretor de redação - em diversas casas, como o Estadão, Broadcast, Época, BBC, Veja e Folha. Me sinto privilegiado em ter abraçado essa profissão. Apaixonado pela minha família e pelo Corinthians.

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