Sem dúvida, é um alívio ver o retorno da normalidade no tradicional discurso de um presidente do Brasil na sessão de abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. Mas isso não justifica o verdadeiro oba-oba que se transformou a fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É compreensível que no Brasil o evento ganhe destaque, mas é preciso não se perder o senso de realidade.
Parece até que o planeta parou para ouvir a mensagem do líder brasileiro.
A repercussão da fala de Lula no resto do mundo, sendo gentil, foi pífia. A atenção e respeito oferecidos ao Lula 3 é bem inferior à que ocorreu em seu primeiro mandato, iniciado em 2003. Para muitos, parece que essa ficha ainda não caiu.
Uma das causas para essa perda de prestígio de Lula tem sido a posição brasileira em relação à guerra da Ucrânia. Pesa também o afago na ditadura de Nicolás Maduro, da Venezuela, e a passividade diante do regime autoritário da Nicarágua. Elas têm um custo alto para a credibilidade do presidente brasileiro, inclusive na imprensa internacional.
Em seu discurso, Lula repetiu mensagens de discursos passados, com alguns novos ênfases, coerentes com o que ele e seu Partido dos Trabalhadores defendem. Mas, convenhamos, as bandeiras da urgência ambiental, do combate à pobreza mundial, do apoio dos países ricos aos pobres e emergentes, não consistem numa agenda nova e povoam, diariamente os discursos de chefes de Estado mundo afora. Claro, a trajetória de vida de Lula o credencia para ser um dos protagonistas dessa agenda. Mas, mesmo para ele, apenas palavras não são suficientes para mover corações. Já foram, no passado. Não, mais.
É um equívoco interpretar que os afagos de Lula à Vladimir Putin e Xin Jiping, a alargamento do BRICS manipulado por Pequim, as manifestações recentes do G20, sinalizam para o mundo a busca de uma nova ordem mundial, com os países emergentes – China é um país emergente? Rússia? – buscando um maior e merecido protagonismo do hemisfério Sul. Antes dessa percepção, prevalece a visão de que está se formando um bloco liderado por países com regimes autoritários, sem compromissos com a democracia. E, para a surpresa de muitos, o Brasil está se alinhando a ele, se distanciando de democracias ocidentais com as quais compartilha valores históricos. Não é de hoje que regimes autoritários buscam formar blocos para se contrapor ao Estados Unidos, Europa Ocidental, Japão, Austrália e muitos outros. Basta revisitar a história nas décadas após a Segunda Guerra Mundial.
Para justificar a estranha posição brasileira diante do conflito na Ucrânia, os atuais formuladores da política externa brasileira argumentam que há muitos outros conflitos no mundo, nos países mais pobres, que são ignorados pelas nações ricas. Sem dúvida, infelizmente, há muitas guerras em curso, causando mortes, sofrimento e migrações de centenas de milhares de pessoas. Mas isso não muda o fato de que a Rússia invadiu a Ucrânia, ilegalmente, é e a responsável pelo conflito, em riscos geopolíticos, mais perigoso do mundo.
É claro que a busca pela negociação de um acordo de paz entre Moscou e Kiev é importante e deve ser priorizada pela comunidade internacional. Mas é possível ser um promotor da paz sem abandonar os princípios da lei internacional. Um crime contra a humanidade não pode ser perdoado ou mesmo atenuado sob a justificativa de se encontrar uma solução para o seu fim.
Essa postura do governo brasileiro tem sido vista como uma atitude “oportunista” por um número crescente de autoridades estrangeiras. Lula propõe o diálogo, a paz, mas para elas, na verdade está jogando no campo de Moscou.
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