As campanhas publicitárias e novas coleções de grifes de luxo ficam restritas a uma pequena parcela da população interessada no assunto - mas nesta semana, um escândalo envolvendo a Balenciaga furou a bolha da moda e causou um alvoroço coletivo. A marca foi acusada de incitar abuso infantil e se retratou após retirar as imagens das redes sociais. Indo além da responsabilidade da grife, o consumidor que compra e usa itens da marca tem uma parcela de culpa? Qual é a forma correta de protestar contra as grifes que estão constantemente envolvidas em polêmicas? O Curto News conversou com duas especialistas no mercado da moda para entender como esses escândalos extrapolam a indústria do high fashion.
“Tudo virou publicidade. Você tem que se destacar nas mídias sociais, tem que ser falado, porque a roupa em si, meio que deixou de ter valor. É muito mais vender um estilo de vida, um conceito, do que uma roupa bonita. E a Balenciaga, em especial, começou dessa forma: polemizando na internet. Eles foram crescendo e são hoje o número 1. Para se manter nesse patamar, eles foram perversos e acharam que estavam acima de tudo”, analisa Natália Rodopiano, designer de moda e coordenadora de estilo na Namine.
A estilista acredita que, em casos como esse, o único poder que o consumidor tem é o do cancelamento. Ouça:
As fotos que Natália se refere são da campanha com crianças segurando acessórios sexuais. Ela acrescenta que o boicote não se restringe somente aos consumidores da marca em si, mas também de itens de pirataria. “A gente sabe que a geração Z não tem nenhum poder de consumo, mas eles querem consumir luxo. Quanto mais gente usa, mais famosa fica a marca. É parar de dar audiência. É parar de consumir pirataria”, adverte.
“Acredito que tudo que consumimos – seja por excesso, ou por estarmos consumindo em marcas que possuem infrações de códigos de conduta ou até mesmo uma produção exorbitante e consequentemente ruim para o meio ambiente – carrega de fato uma parte de culpa do consumidor. A política do cancelamento, embora às vezes eu acredite que exceda certas diretrizes, auxilia na conscientização da marca, principalmente porque dessa forma conseguimos barrar certas campanhas ou atitudes que vão ao ar, e fazer certas propostas serem repensadas”, exemplifica a influenciadora Carol Stauch, do perfil @neverleavenaked.
A criadora de conteúdo de moda acredita que as publicações que abordam a conscientização desse assunto são uma forma de atingir a marca, principalmente com o potencial de viralização de assuntos polêmicos nos dias de hoje, com o auxílio das redes sociais. “Acho que o compartilhamento dessas notícias, comentários nos posts da marca, unfollows, etc, podem ser posicionamentos possíveis de se fazer, e que com certeza irão afetar a marca a longa data”, completa.
Difícil ter uma única resposta. Durante a semana, influenciadores digitais publicaram vídeos queimando, picotando e jogando fora suas peças da Balenciaga. A atitude dividiu opiniões na internet, com muitas pessoas trazendo alternativas – como a doação da peça ou do valor referente à ela.
Para Natália Rodopiano, esses vídeos acabam trazendo mais mídia e visibilidade para a marca. Ouça:
“Eu falo por mim, se eu tivesse consumido algum produto da marca, principalmente levando em conta o investimento necessário, eu provavelmente deixaria de utilizar esse produto até a marca mostrar uma conscientização sobre a ação. Não acho que seja necessário a queima desse produto como forma de boicote ou repúdio, eu acredito que existem diversas outras formas de repudiar esse tipo de atitude”, reflete Carol Stauch.
Desde a semana passada, a Balenciaga tem sido duramente criticada por conta de uma campanha publicitária em que crianças aparecem com acessórios sexuais. Em outras imagens da publicidade, uma bolsa da grife aparece em cima de documentos impressos com trechos de uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre pornografia infantil.
As fotos da campanha de Primavera/Verão 2023 foram apagadas das redes sociais. Além disso, a grife publicou um comunicado na tarde de segunda-feira (28) dizendo que condena o abuso infantil: “Jamais foi nossa intenção incluir isso na nossa narrativa. As duas campanhas publicitárias em questão refletem uma série de graves erros pelos quais a Balenciaga assume a responsabilidade”.
Considerada uma das grifes mais controversas, a Dolce & Gabbana acumula polêmicas em seu histórico fashion. O império construído por Domenico Dolce e Stefano Gabbana vem se abalando lentamente a cada declaração, digamos, infeliz dos seus fundadores.
Em 2013, Domenico afirmou ser contra os “filhos da química e crianças sintéticas”, como assim chamou a geração de bebês por meio de fertilização in vitro. Em outro caso que tomou a mídia, tênis da marca continham a inscrição “magra e maravilhosa”. Ao se defender das acusações de gordofobia, Stefano escreveu em uma publicação nas redes sociais: “Quando a idiotice distorce a realidade. Inacreditável! Da próxima vez, vamos escrever: ‘amo ser gorda e cheia de colesterol'”.
A xenofobia também entra para a lista de polêmicas da Dolce & Gabbana. Em 2018, uma campanha publicitária trazia uma modelo chinesa tentando comer com hashis – a dupla de palitinhos utilizada na gastronomia oriental. O vídeo foi interpretado como uma forma de ridicularizar a cultura chinesa, já que a modelo comia pratos típicos italianos (como macarrão e pizza). A campanha não pegou bem, é claro, e um desfile da grife que seria feito em Xangai, maior cidade na China, acabou sendo cancelado.
E mesmo com o bafafá do momento envolvendo apenas a Balenciaga, a crise acabou respingando na D&G. Na segunda-feira (28), a influenciadora Camila Monteiro publicou um vídeo em que aparece queimando suas peças da marca. Ela explica que tomou conhecimento das polêmicas somente agora e que, por isso, optou por destruir as peças. “Eu me senti profundamente ofendida por essas falas, principalmente porque os meus filhos gêmeos de fertilização in vitro”, relata.
Este post foi modificado pela última vez em 3 de dezembro de 2022 11:55
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