O estudo foi testado em camundongos pela equipe do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias da Universidade de São Paulo e mostrou que moléculas capazes de bloquear a ligação do peptídeo C5a ao receptor celular ajudam a prevenir lesões pulmonares e outras complicações típicas da forma grave da covid-19, sem comprometer a resposta imunológica ao vírus.
“Era difícil respirar… subir as escadas até o meu apartamento, no 2º andar, ficou impossível depois da covid-19”, conta Sandra Almeida, de 35 anos, comerciante, que teve covid-19 antes da vacinação, ficou internada por uma semana perdeu olfato, e se sentia extremamente cansada após os sintomas da doença passarem.
Sandra não teve que ser internada, mas sentiu o corpo respondendo ao vírus “de maneira estranha”. Doía várias partes do corpo todo, até a pele. Parecia uma eterna inflamação!”, conta.
Durante a pandemia ficou evidente que a covid atinge as pessoas de maneiras diferente, no que se refere à gravidade. Enquanto alguns pacientes apresentam sintomas leves ou moderados, e outros ainda são assintomáticos, parte dos infectados pelo sars-cov-2 desenvolve uma inflamação sistêmica potencialmente fatal desencadeada por uma resposta imune exacerbada – conhecida como tempestade de citocinas.
Nos casos mais graves da covid-19, os pacientes geralmente passam dias internados em terapia intensiva, entubados, e apresentam complicações como fibrose pulmonar e trombose.
Essa reação pode mudar com a nova descoberta dos cientistas. Os resultados foram divulgados no The Journal of Clinical Investigation.
“Estamos estudando essa via já há alguns anos para dor neuropática e doença autoimune. E, quando surgiu a pandemia, logo desconfiamos que bloquear o receptor celular desse peptídeo [C5a] também poderia ser interessante contra a inflamação associada à covid grave. Isso porque sabemos que, apesar de o C5a ter um papel pró-inflamatório importante, essa via não tem grande atuação no combate à infecção. Trata-se de um mediador que, se bloqueado, não compromete a resposta do indivíduo contra o vírus”, explica Thiago Mattar Cunha, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP e integrante do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias da Fapesp.
Cunha explica que o C5 é um mediador inflamatório presente no plasma sanguíneo e integra o chamado sistema do complemento – parte da resposta imune responsável por formar a “cascata” de proteínas que induz uma série de respostas inflamatórias do nosso corpo para combater a infecção.
Quando ocorre uma inflamação, o peptídeo é ativado – tornando-se a molécula C5a – e passa a ter função pró-inflamatória. “Esse aumento da produção de C5a está ligado a uma série de doenças inflamatórias, como sepse, artrite reumatoide, doença inflamatória do intestino, lúpus, psoríase e também à lesão pulmonar observada em casos graves de covid-19”, afirma.
O achado confirma o papel da sinalização C5a/C5aR1 na covid-19 e indica que as moléculas que bloqueiam a ligação com o receptor podem ser úteis para o tratamento dos casos graves.
“No nosso estudo recente, os camundongos que receberam os antagonistas de C5aR1 apresentaram melhora da inflamação. Também demonstramos que, ao bloquear esse sistema, o controle da infecção não é alterado, ou seja, a carga viral continuou a mesma entre os animais que foram tratados com o antagonista e os que não foram”, diz.
Melhorar a inflamação sem impactar a carga viral é um atributo importante da nova molécula. Isso porque, atualmente, uma das principais estratégias para tratar a covid é o uso de corticoides, medicamentos com ação anti-inflamatória e imunossupressora.
Essa classe de remédios, portanto, reduz a resposta do nosso corpo contra o vírus e também contra infecções secundárias, como a pneumonia bacteriana, por exemplo. O que é ruim para o quadro geral.
“Os dados desse estudo nos dão evidências clínicas de que bloquear a via C5a/C5aR1 funciona, é um tratamento benéfico. Já trabalhamos com essa via para doenças autoimunes e dor. Acredito que o próximo passo seja iniciar testes clínicos com a molécula antagonista”, comenta.
(Fonte: Jornal da USP/ Agência Fapesp)
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