Entre 2018 e 2022, o Brasil registrou 400% mais vítimas de violência política, segundo levantamento da Justiça Global e Terra de Direitos. O aumento desenfreado de ataques criou um “clima inédito de violência” neste ano eleitoral, segundo o cientista político Felipe Borba, que coordena o Giel/Unirio. De discussões dentro de casa, brigas com amigos, até casos extremos de homicídio, a violência deixou marcas para além do período das eleições. Diante de um cenário cheio de conflitos, rachaduras, prejuízos à democracia e à saúde mental, é possível encontrar o diálogo? Como? A prática da Comunicação Não-Violenta pode ser uma aliada para evitarmos situações desconfortáveis no futuro? O Curto News consultou especialistas sobre o tema.
“Só por a gente estar discutindo violência política já mostra que é uma eleição anormal”, diz Felipe Borba sobre a intensificação do problema. (Nexo)
Quando se pensa em violência, muitas vezes, apenas levamos em conta o que atinge o outro corporalmente. Mas, antes de tudo, a “violência física é o ato final de uma sequência de violências que acontecem na nossa comunicação“, explica Nolah Lima, co-fundadora do Instituto CNV Brasil, que promove treinamentos da prática de Comunicação Não-Violenta.
Dados do Observatório da Violência Política e Eleitoral (OVPE) mostraram que houve um aumento acelerado nos casos de violência política entre julho e setembro deste ano no país. Segundo mapeou o Observatório, as ocorrências mais comuns foram ameaças, seguidas por agressões.
Quando estamos em um cenário como este, será que a resposta é buscar paz? O grande desafio dessa busca é “achar que isso significa não ter conflitos”, segundo explicou Liliane Sant’Anna, co-fundadora do Instituto CNV Brasil, em entrevista ao Agora Tocantins. Mas como assim? É que os conflitos, na visão da Comunicação Não-Violenta, podem ser muito construtivos.
O facilitador e professor Ivan Petry explicou ao Curto o que é e como surgiu esta prática. Vem ouvir um trechinho:
Saiba mais sobre quem foi Marshall Rosemberg e um guia básico sobre a CNV (Você S/A)
Pensando em espaços em que a via do diálogo é possível, os especialistas recomendam atenção a algumas estratégias e pontos primordiais:
“Em cenários conflituosos como o que estamos vivendo, a CNV apoia que retomemos o centro do que queremos cuidar e isso nos revela, inclusive, quando parar uma conversa. Quando falamos de Comunicação Não-Violenta, também estamos falando em colocar limites e em combinar como conversamos.”
Segundo Liliane e Nolah, mesmo que a prática da Comunicação Não-Violenta não tire o desconforto da conversa, ela pode apoiar as pessoas para “sustentar o desconforto para, quem sabe, aumentar a conexão, pensar em caminhos alternativos e ter uma conversa respeitosa”.
“Então, quando nos vemos em uma discussão mais acalorada do que gostaríamos, podemos dizer ‘Entendo que estamos falando assim, pois nos importamos muito com esse tema, mas quero seguir cuidando da nossa relação aqui. Você está disposto a conversar em outro tom de voz?’.”
“Em casos de agressões, podemos encontrar um dos limites da CNV: o acesso ao diálogo. Sem o diálogo, fica limitada a conexão empática ou a possibilidade da conversa honesta. Entramos em um campo diferente, que exige cuidarmos da integridade de quem participa do conflito. Em um contexto em que há uma agressão física, por exemplo, se torna necessário colocar toda energia possível na proteção. Uma distinção extremamente importante aqui: a proteção significa que qualquer movimento será direcionado a cuidar da vida e integridade de todos e nunca para a punição.”
Ivan Petry, que se dedica a estudar e ensinar CNV, explica que é muito útil compreender as necessidades em comum que estão em jogo, entre participantes de uma discussão. É um ponto de aproximação, que vai na contramão da intolerância, segundo o facilitador. Ouça:
Segundo Felipe Borba, que coordena o Grupo de Investigação Eleitoral da Unirio, a escalada dos casos no país pode ser explicada pela alimentação de discursos de ódio. “Essa polarização política, que existe no Brasil desde 1989, tem sido alimentada por um clima de ódio, que diz que o adversário não é apenas um adversário, uma pessoa que pensa diferente, mas é acima de tudo um inimigo que pode ser eliminado. (Nexo)
Porém, segundo Gisele Barbieri, coordenadora de incidência política da Terra de Direitos, “o acirramento da violência é crescente e segue um padrão consolidado antes mesmo do período eleitoral”.
De fato, a situação extrapola o evento eleitoral. Os dois meses que antecederam o primeiro turno das eleições registraram quase o mesmo número de episódios de violência política e eleitoral do que os sete primeiros meses de 2022, apontou recente estudo da Terra de Direitos e Justiça Global.
Pesquisadores estudam a importância da comunicação não violenta e do direito à voz para crianças e jovens (Jornal USP)
Nem punição nem recompensa: usando Comunicação Não Violenta com os filhos (Estadão)
Foto do topo: Freepik.com
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