Coreia do Norte afirma que soldado dos EUA desertou para fugir de ‘discriminação racial’

O soldado americano Travis King fugiu para a Coreia do Norte para fugir dos maus-tratos e da discriminação racial dentro do Exército dos Estados Unidos, afirmou nesta quarta-feira (16) a imprensa estatal de Pyongyang, na primeira confirmação oficial sobre a presença do militar no país.

Publicado por
Agence France-Presse

O soldado de baixa patente, que tinha um histórico disciplinar com várias advertências, deveria retornar aos Estados Unidos em julho, mas fugiu do aeroporto, se aproximou de um grupo de turistas que visitava a zona desmilitarizada que divide a península e atravessou a fronteira para a Coreia do Norte.

King, 23 anos, deveria enfrentar medidas disciplinares nos Estados Unidos, depois de se envolver em uma briga em um bar, de ter um incidente com a polícia e passar um breve período detido em uma prisão na Coreia do Sul.

O governo dos Estados Unidos já havia informado que King atravessou a fronteira de forma intencional e sem autorização, mas até o momento a Coreia do Norte não havia se pronunciado a respeito.

“Travis King admitiu que entrou ilegalmente no território da RPDC”, afirmou a agência estatal de notícias KCNA, utilizando a sigla do nome oficial do país, República Popular Democrática da Coreia.

“Durante a investigação, Travis King confessou que decidiu vir para a RPDC porque se ressentia dos maus-tratos e da discriminação racial dentro do Exército americano”, acrescenta a nota.

King “chegou a ser mantido sob o controle de soldados do Exército Popular da Coreia”, segundo a agência.

“Também expressou a vontade de buscar refúgio na RPDC ou em um terceiro país, dizendo que estava desiludido com a desigualdade da sociedade americana”, ressaltou a KCNA.

O governo dos Estados Unidos não tem nenhuma ligação diplomática formal com a Coreia do Norte e, desde que este país fechou as fronteiras no início da pandemia, muitas embaixadas com presença em Pyongyang retiraram seus diplomatas do país.

O Comando das Nações Unidas, que supervisiona o armistício que acabou com as hostilidades da guerra da Coreia (1950-1953), informou em julho que havia iniciado discussões com Pyongang sobre o caso.

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que um contato foi estabelecido com os norte-coreanos, mas que não era possível saber a situação do soldado.

A KCNA não divulgou informações sobre o estado de saúde de King nem sobre a localização do soldado. Também não comentou os próximos passos do governo norte-coreano.

Oportunidade de propaganda

Soo Kim, ex-analista da CIA e diretora de práticas políticas de LMI Consulting, declarou à AFP que o anúncio sobre King é pura propaganda.

“A entrada de King na Coreia do Norte ofereceu ao regime de Kim Jong Un uma oportunidade em vários sentidos. A primeira delas é, certamente, a possibilidade de negociar com os Estados Unidos a libertação de King”, disse.

Os norte-coreanos são “negociadores duros”, o que significa que não será fácil para Washington conseguir a libertação, acrescentou a analista.

O país liderado por Kim Jong Un tem uma longa história de detenção de americanos para utilizá-los como moeda de troca em negociações bilaterais.

“Também é uma oportunidade para a propaganda do regime: aproveitar a situação para criticar os Estados Unidos e expressar a profunda hostilidade de Pyongyang em relação a Washington”, acrescentou.

Para Vladimir Tikhonov, professor de Estudos Coreanos na Universidade de Oslo, o “fato de King ser um soldado negro tem um certo valor de propaganda para os norte-coreanos”.

“O racismo dos brancos e os maus-tratos sofridos pelas pessoas negras são pontos que a propaganda norte-coreana tende a enfatizar”, disse à AFP.

A detenção acontece em um dos piores momentos nas relações entre Seul e Pyongyang: o Norte está em uma corrida para desenvolver armas nucleares e o Sul intensifica os exercícios militares com os Estados Unidos.

Os dois países permanecem tecnicamente em guerra, depois que o conflito dos anos 1950 terminou com um armistício, e não um tratado de paz.

A fronteira é fortemente militarizada, mas a Área de Segurança Conjunta (JSA, sigla em inglês) é separada apenas por um muro simples de concreto, o que a torna relativamente fácil de atravessar, apesar da presença de soldados dos dois lados.

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