As mulheres evangélicas dizem que ouvem os pastores, mas escolhem seu voto a partir de reflexões, pesquisas e "orientação divina". Mesmo as que apoiam o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) reclamam de sua atuação na pandemia, mas apontam a "sinceridade" como a maior qualidade do presidente e dizem que seus erros podem ser perdoados. Esses são alguns dos resultados da pesquisa qualitativa "Mulheres evangélicas, política e cotidiano", realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) de maio a julho de 2022 e divulgada nesta semana.
Os evangélicos, que já representam 31% da população brasileira, vêm sendo disputados pelos dois primeiros colocados, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Bolsonaro (PL).
O presidente tem a maioria dos votos desse grupo nas pesquisas eleitorais. No entanto, entre as mulheres, no público geral, Lula tem a preferência. Por isso, segundo analistas, os votos das mulheres evangélicas aparecem como um desafio às vésperas do primeiro turno das eleições.
Sentada com o filho e a nora à espera do início do culto numa igreja evangélica em Guarulhos, na Grande São Paulo, a diarista Heloísa Reis, de 52 anos, diz que não sabe em que acreditar. “Falam que Lula vai fechar igreja, que vai deixar um banheiro só para meninos e meninas na escola, é verdade?” questiona a reportagem. “Bolsonaro fez pouco caso da covid, mas deve ter se arrependido”, completa.
Ela diz que queria anular o voto porque já perdeu a esperança nos políticos, mas acha que vai acabar escolhendo o presidente porque pelo menos “ele conhece a palavra”. A primeira-dama Michelle Bolsonaro é outra razão para o voto, completa, “uma mulher forte, decidida”.
O fato de o presidente não ser evangélico não é um problema porque esse público entende que é a mulher que “garante a virtuosidade da família e do marido”, explica a antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira, uma das coordenadoras da pesquisa, que é professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UNB). “Existe uma desconfiança do quão cristão Bolsonaro seja pelas coisas que ele fala, mas essa ética cristã chega nele porque é casado com uma mulher evangélica”, explica. Isso também ajuda na ideia de que Bolsonaro pode ser perdoado.
A professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do ISER, Christina Vital da Cunha, diz que à medida que o governo percebeu a importância da comunicação de Michelle com as bases eleitorais, ela foi sendo repaginada. “Foram a transformando em um retrato da chamada mulher virtuosa, com cabelos curtos e modernos, maquiagem discreta, roupas ora largas, ora com um justo elegante, fisionomia relaxada, alegre, prestativa, sábia”, diz. As mulheres são maioria (60%) entre os evangélicos, segundo levantamento do Datafolha feito no ano passado.
Participaram da pesquisa evangélicas das cinco regiões do País. A maioria vive com até dois salários mínimos, é preta ou parda e tem até o ensino médio completo. Esse tipo de pesquisa é diferente da quantitativa, que pergunta sobre as intenções de voto. A qualitativa ouve um grupo específico para identificar comportamentos e tendências.
Apesar de ainda existir, especialistas acreditam que perdeu força este ano o chamado voto de cajado, que pressupõe que os fiéis votam em quem o pastor determina. A religião continua sendo um pré-requisito para o voto, mas pela identificação com um candidato que segue os mesmos valores – como a defesa da família e a condenação do aborto, por exemplo.
“Há muitas tentativas de líderes evangélicos midiáticos de impor a sua percepção política aos fiéis, mas isso não resulta em um voto determinado por eles. Evangélicos que votam atrelados às lideranças não o fazem de modo compulsório e, sim, a partir de entendimentos próprios”, diz Christina.
Nesta semana, pastores, influenciadores evangélicos e políticos de direita convocaram jejuns e vigílias. Os pedidos foram feitos com o argumento de que uma eventual vitória do petista representa um perigo ao País e à fé cristã.
(Estadão Conteúdo)
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