O Chile inicia nesta quarta-feira (6) sua segunda tentativa em dois anos de mudar a Constituição que vigora desde a ditadura, desta vez com a extrema direita à frente do conselho que redigirá um novo projeto a ser submetido a referendo.
Nesse período, os chilenos oscilaram de um extremo ao outro do espectro político. Primeiro, impulsionados pelo estopim social de 2019, apoiaram as forças de esquerda para enterrar os resquícios da herança de Augusto Pinochet (1973-1990).
Depois, porém, rejeitaram a proposta constitucional nas urnas. Os partidos concordaram em relançar o processo e, em maio, nas eleições dos novos constituintes, a população se inclinou por uma direita ultraconservadora e nostálgica dos tempos do ditador.
Assim, fica no ar a incerteza em relação ao texto que surgirá desta fase de deliberações para substituir a Constituição de 1980, cujos artigos mais autoritários foram eliminados por meio de reformas nos últimos anos – como o que proibia o Partido Comunista e o que reservava assentos no Senado para ex-chefes militares, ex-juízes ou um ex-reitor universitário.
Em 17 de dezembro, os chilenos terão que se pronunciar sobre o novo resultado.
Uma eventual rejeição deixaria as regras como estão em um momento em que este país desigual de quase 20 milhões de habitantes está mais preocupado com a segurança ou o custo de vida do que com uma mudança de normas, de acordo com pesquisas de opinião.
O Conselho Constitucional será instalado nesta quarta-feira para examinar o esboço redigido por especialistas designados pelo Congresso. O texto é uma versão mais moderada daquela produzida na primeira tentativa, que foi rejeitada por 61% dos eleitores.
A Assembleia Constituinte, dominada pela esquerda na época, propôs uma mudança radical nos sistemas político, legislativo e judiciário. Entre outros, estabelecia o direito ao aborto e concedia reconhecimento constitucional aos povos indígenas.
Composto por 51 membros, o novo Conselho Constitucional tem uma ampla maioria conservadora: 23 conselheiros são do ultraconservador Partido Republicano e 11 de coalizões de direita tradicionais. A esquerda conquistou 16 cadeiras, que se somam a um representante indígena.
“No processo anterior não havia um grupo com maioria clara, e isso resultou em todos os grupos contribuindo com partes diferentes para a mesma proposta”, explicou à AFP Marcel Aubry, acadêmico da Faculdade de Governo da Universidade do Chile.
Na nova tentativa, “temos uma maioria clara de um setor político que será capaz de promover suas ideias de forma mais eficaz”, acrescentou.
A expectativa da esquerda é que o novo texto em discussão incorpore poucas transformações em relação à Constituição atual.
“Minhas expectativas são moderadas, principalmente porque vejo como a direita e a extrema direita estarão em busca de defender os interesses das grandes oligarquias e proteger o modelo econômico neoliberal”, disse à AFP o conselheiro comunista Fernando Viveros.
Como se comportarão os republicanos? No Parlamento, onde não possuem o mesmo nível de representação, rejeitaram leis como a redução da semana de trabalho para 40 horas, o aumento do salário mínimo e os impostos sobre as grandes mineradoras de cobre.
Contrários ao aborto, com um discurso anti-imigração e foco na segurança pública, eles têm o advogado Luis Silva como principal referência nesse processo.
Aos 45 anos, este membro numerário do Opus Dei – influente organização católica ultraconservadora – abraça os princípios de austeridade, castidade e absoluta obediência.
Silva, professor universitário de Direito, foi o candidato mais votado para o Conselho. Recentemente, causou polêmica ao descrever Pinochet como um “estadista”.
Com seus 23 representantes, os republicanos podem vetar os artigos aprovados pelos especialistas. E se conseguirem angariar votos da direita tradicional, também podem modificá-los.
Do desejo obstinado de mudar a Carta Magna, os chilenos passaram para o desinteresse. Segundo a pesquisa Cadem, 58% das pessoas não se informaram sobre o processo e 48% recusariam a proposta mesmo sem conhecê-la.
Nas eleições para o Conselho Constitucional em 7 de maio, com voto obrigatório, cerca de dois milhões anularam o voto, o equivalente a 17% do eleitorado.
“Há um cansaço dos cidadãos em relação ao processo constitucional, o que se reflete nesses dados de pessoas que, à primeira vista, querem rejeitar. Todos os temas têm um ciclo, e o constitucional já está em declínio”, afirma o acadêmico Aubry.
O presidente Gabriel Boric, cujo mandato termina em 2026, já adiantou que esse será seu último esforço para mudar a Constituição.
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Este post foi modificado pela última vez em 6 de junho de 2023 20:03
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