Foto “escura demais”: professor da Unisinos é demitido após denunciar racismo

Após ter trabalhado por 5 anos como o único professor negro do curso de gastronomia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Gustavo Corrêa Pinto denunciou a instituição por "discriminação por motivo de raça e assédio moral” no Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS). Ele afirma ter sido excluído, em maio deste ano, da apresentação oficial de um projeto acadêmico que participava com a justificativa de que sua "foto era inadequada, 'escura demais'". Gustavo moveu denúncia interna por discriminação racial e, menos de dois meses depois, foi demitido pela instituição. O Curto News conversou com o assessor jurídico do profisisonal, e teve acesso a denúncia encaminhada ao MPT-RS.

Publicado por
João Caminoto

Segundo o professor, ele atuava em um projeto interno da Unisinos voltado para o ensino da gastronomia para alunos com deficiências. Apesar do seu envolvimento, Gustavo conta que não foi incluído na peça que apresentava oficialmente os responsáveis pelo trabalho.

A justificativa, segundo relata Gustavo, foi a de que sua foto de perfil era “escura demais” e, portanto, “inadequada”. Apenas seus colegas brancos que estavam envolvidos no projeto apareceram na apresentação.

Quem faz o ‘Projeto Prosperar’?

O advogado que assessora Gustavo, Rodrigo da Silva Vernes Pinto, contou ao Curto News que Gustavo havia iniciado o projeto em março desde ano. “Ele liderou e capitaneou todo o projeto. Em maio, solicitaram a ele uma foto para divulgação nas redes sociais do projeto. Inclusive, o nome do post era ‘Quem faz o Projeto Prosperar‘. Quando ele foi ver, só estavam como líderes os dois brancos, e ele não.”

Gustavo, que ensina gastronomia desde 2001, relatou que a foto rejeitada era a mesma usada em seu currículo Lattes e dentro da própria instituição:

Reprodução/Instagram @gustavocorreapinto
Fonte: Lattes

Denúncia de tratamento diferenciado e reações

Gustavo, então, denunciou o fato como “discriminação racial”. Segundo ele, inicialmente a coordenação do curso de gastronomia da Unisinos acolheu sua denúncia. Algum tempo depois, porém, a acusação de tratamento racista começou a “ser posta em xeque por pessoas brancas”, afirma Gustavo em relato feito no Instagram.

“Teve uma certa invisibilização do caso logo após a denúncia e o acolhimento inicial, uma tentativa de colocar panos quentes. Ele [Gustavo] sentiu, tendo em vista certas atitudes veladas da instituição, que poderia ter algum tipo de represália”, afirma Rodrigo da Silva Vernes Pinto.

O Curto News teve acesso à denúncia no Ministério Público do Trabalho:

Questionamentos e assédio moral

Gustavo Correa conta que pediu afastamento do projeto, preferindo tocar tarefas em horários e espaços alternativos. A coordenação do curso acolheu seu pedido, mas, segundo o profissional, passou a tratá-lo de forma “totalmente” diferente a partir daí.

O professor afirma, ainda, que passou a sofrer diferentes formas de assédio moral dentro da instituição, conta o assessor jurídico. “Começaram a colocar em xeque as responsabilidades, a competência dele como professor. Houve algumas situações que colocaram em dúvida até mesmo a condução dele com os alunos, até que em um determinado momento deram um aviso prévio a ele e o desligaram”.

“Busquei recorrer internamente da decisão e a Unisinos negou ter havido motivação racista, mas reconheceu expressamente a incorreta condução da questão pela coordenação. O fato é que perdi o meu emprego enquanto o curso segue como antes“, desabafou Gustavo.

Veja o relato completo do professor Gustavo Correa Pinto:

Nota de Esclarecimento da Unisinos

Procurada pela nossa reportagem, a Unisinos reafirmou o posicionamento divulgado por meio de nota em seu site. Leia a nota na íntegra 👇🏽

Nota de esclarecimento da Unisinos:

A Unisinos tem forte compromisso com a diversidade étnico-racial e a inclusão de todas as pessoas, sempre em linha com os valores e os ideais jesuítas, fundamentados no respeito à dignidade da pessoa humana e nos princípios cristãos e democráticos. Para fortalecer o combate ao racismo em todas as instâncias, a instituição criou, há mais de 10 anos, o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi Unisinos), cuja atuação é reconhecida no estado Rio Grande do Sul e nacionalmente.

A Universidade não compactua com qualquer ato racista. Informa ainda que já foi instaurada apuração sobre a denúncia do ex-professor do curso de Gastronomia Gustavo Corrêa Pinto.

A Unisinos informa que o desligamento do professor Gustavo Correa Pinto não guarda qualquer relação com o episódio em apuração. A saída do docente fez parte de um processo recorrente de reestruturação a partir das demandas dos cursos, que resultou no desligamento de outros professores no mesmo período.

A Universidade reforçará o compromisso em combater todas as formas de racismo e preconceito e revisará as suas medidas internas.

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João Caminoto

Jornalista com mais de 30 anos de experiência, ocupei diversos cargos - desde repórter, passando por correspondente internacional até diretor de redação - em diversas casas, como o Estadão, Broadcast, Época, BBC, Veja e Folha. Me sinto privilegiado em ter abraçado essa profissão. Apaixonado pela minha família e pelo Corinthians.

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