Momentos críticos do presidente Jair Bolsonaro (PL) na campanha eleitoral acompanham o aumento na mobilização da retórica "anticomunista" nas redes sociais. Apoiadores do mandatário acusam adversários, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), jornalistas e até ex-aliados de apoiarem a ideologia e justificam, em razão de uma suposta ameaça, a necessidade de ações mais radicais. A Constituição garante a liberdade de expressão, mas especialistas enxergam na estratégia a criação de um "ambiente de medo" por meio do uso de um "espantalho eleitoral".
O cenário repete tendência já observada em 2018. Em outubro daquele ano, o Google registrou o maior número de buscas pelo termo “comunismo” nos últimos 18 anos. Em 2022, o termo volta a aparecer com tendência de crescimento. Neste ano, houve um pico de interesse em fevereiro, quando Bolsonaro comparou o comunismo ao nazismo e defendeu a sua criminalização. E volta a disparar no início oficial de campanha, em 16 de agosto, quando usuários buscam, por exemplo, se Lula é comunista.
Neste ano, pastores e apoiadores de Bolsonaro associam também a ideia de que a esquerda está atrelada ao “ateísmo”. Esse movimento foi percebido pela campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que produziu um vídeo para ironizar o “fantasma do comunismo”, ressaltar ações de seu governo favoráveis à liberdade religiosa e contestar a afirmação de que Lula fecharia igrejas, se eleito.
No Instagram, houve picos de citações ao tema em 16 e 22 de agosto, data em que Bolsonaro participou de sabatina no Jornal Nacional, da TV Globo. O total de posts chegou a 4,6 mil. No Twitter, o comunismo foi mencionado 680 mil vezes entre 16 de agosto e 23 de setembro, segundo dados do Monitor de Redes do Estadão.
Além do 7 de Setembro, o maior pico de menções ocorreu nos dias 10 e 11 daquele mês, quando o jogador Lucas Moura, do time inglês de futebol Tottenham, associou Lula ao socialismo e ao comunismo. No Facebook, foram 5 mil publicações na semana do 7 de Setembro, de um total de 35 mil coletadas em todo o período eleitoral.
“A política do medo é decisiva em todo esse processo. Ela acompanha essa linguagem e adquire uma conotação mais ou menos agressiva ao longo do tempo”, afirmou a cientista política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Daniela Mussi.
Para Eugênio Bucci, professor titular da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e coordenador acadêmico do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, o desconhecimento alimenta a disseminação das mensagens. “Esses grupos que alimentam o medo do comunismo têm em comum a característica de não saber o que é comunismo. Não há muito como esperar se resolver esse tipo de coisa com algum tipo de censura. De forma nenhuma”, disse.
O movimento nas redes acompanha o posicionamento do presidente, que nos seus discursos costuma dizer que pede a Deus que o País “não experimente as dores do comunismo”. Para o pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF) Viktor Chagas, trata-se de um termo “esvaziado completamente de sentido”. “Não importa efetivamente o significado, porque ele é empregado de maneira a constituir uma imagem negativa do adversário”, disse. Em 2018, o grupo de pesquisa de Chagas identificou que o termo costumava circular com maior frequência nos dias em que eram divulgadas pesquisas e notícias desfavoráveis a Bolsonaro.
Radicalização
Em grupos de WhatsApp e Telegram, a retórica anticomunista costuma ser mais radical, com teorias da conspiração relacionadas ao período eleitoral e pedidos de intervenção militar para “libertar o povo brasileiro”. Levantamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) encontrou 3.885 mensagens sobre o tema em 485 grupos bolsonaristas no WhatsApp e 1.842 em 79 grupos do Telegram nos últimos 90 dias.
Para a cientista política Daniela Mussi, o uso do termo está cada vez mais associado a uma perspectiva antidemocrática. “O comunismo se torna um significante vazio, uma espécie de embalagem onde se coloca o inimigo a ser combatido. Não só no sentido das ideias, mas de sua própria existência como expressão política”, afirmou.
Procurado, o WhatsApp afirmou que conteúdos ofensivos e possivelmente ilegais devem ser denunciados às autoridades competentes, e que costuma banir contas e grupos imediatamente com base em ordens judiciais. O Telegram afirmou que chamados à violência são removidos.
O Twitter afirmou que procura estabelecer um equilíbrio entre o direito à liberdade de expressão e a segurança do usuário. O Facebook e o Instagram, por sua vez, disseram que não permitem que organizações ou indivíduos “anunciem uma missão violenta” nas plataformas. Segundo as empresas, elas monitoram os apoios a organizações que propagam “ódio organizado”.
(Estadão Conteúdo)
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