Pacientes que perderam o olfato ou paladar com covid-19 têm mais problemas de memória

Um estudo feito por pesquisadores do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC/FM-USP) com pacientes internados pela covid-19 apontou que aqueles que apresentaram perda de olfato ou paladar por um período prolongado também tiveram mais problemas em testes cognitivos, especialmente nos de memória. Os pesquisadores avaliaram 701 pacientes, seis meses após a alta hospitalar.

Publicado por
Marcela Guimarães

A advogada Amanda Nascimento, 45 anos, teve covid-19 por duas vezes. “A primeira, foi bem no início da pandemia. Perdi o paladar, mas mantive o olfato”, conta. “Na segunda contaminação, eu já estava com duas doses de vacina e só percebi era covid de novo porque não sentia mais o cheiro de nada. Fiz o teste e deu positivo”, relembra.

Mas a perda do olfato foi o menor dos problemas, conta Amanda. “Depois de duas semanas eu era outra pessoa: não lembrava coisas simples, era como se a minha cabeça tivesse com uma neblina. Faz seis meses e ainda estou sendo acompanhada por um neurologista para tratar o que chamam de “brain fog” ou confusão mental”, desabafa a advogada.

O relato de Amanda é semelhante há centenas de pessoas espalhadas pelo país, que tiveram covid-19 e ficaram com sequelas cognitivas, principalmente na área da memória.

Entenda, neste vídeo da CNN Brasil , o que é a confusão mental ou brain fog: 👇

E agora, um estudo realizado nos Hospital das Clínicas da faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) feito com 701paciente de covid, seis meses após a alta hospitalar, mostrou que os mais afetados com perda de olfato e paladar também são os que mais tiveram problemas em testes cognitivos, especialmente nos de memória.

Os resultados apresentados pelo hospital de São Paulo foram publicados no jornal “European Archives of Psychiatry and Clinical Neuroscience”.

A pesquisa do HC/FM-USP, acompanhou pacientes que foram internados com covid moderada ou grave no período de março a agosto de 2020. Pouco mais da metade da amostra (56,4%) precisou ser internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 37,4% foram entubados.

Após seis meses da alta hospitalar, eles foram reavaliados. Os resultados da pesquisa apontam que:

  • a redução do paladar foi a sequela sensorial mais comum (20%)
  • na sequência, redução de olfato (18%)
  • redução concomitante de olfato e paladar (11%)
  • parosmia (9%) – que é a alteração na percepção olfativa, por exemplo, quando um odor antes considerado agradável passa a ser percebido como ruim

A pesquisa constatou ainda que 12 voluntários apresentaram alucinações olfativas (sentem cheiros que outros não sentem) e nove relataram alucinações gustativas (sentem o gosto de um alimento sem tê-lo provado). Nos dois casos, a maioria afirmou que essas alucinações só apareceram após a infecção pelo coronavírus.

Problemas de memória

Os pesquisadores descobriram também que aquelas pessoas que apresentavam mais sequelas sensoriais pós-covid tiveram um pior desempenho nos testes cognitivos, particularmente nos testes de memória recente. E esse resultado ocorreu independente do quão grave havia sido o quadro de Covid-19 na fase aguda da doença.

Segundo o psiquiatra Rodolfo Furlan Damiano, um dos autores do estudo realizado no HC e que também é médico psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein, os voluntários do estudo passaram por testes neuropsicológicos objetivos que avaliam diversos conceitos da cognição, como atenção, função executiva, memória, e habilidade visuoespacial.

“Nosso estudo encontrou perda de memória episódica, que é aquela mais focada no dia a dia, e que costuma ser a primeira a ser impactada nos processos demenciais mais comuns, por exemplo a demência de Alzheimer”, disse Damiano. O teste da memória episódica avalia a capacidade de memorização de uma lista de palavras, e os voluntários que relataram problemas sensoriais tiveram desempenho pior nessa tarefa.

Ainda não se sabe qual o mecanismo que levou ao dano cognitivo nos pacientes após a infecção pelo coronavírus. Segundo Damiano, uma das hipóteses é a de que o vírus SARS-CoV-2 possa invadir e afetar áreas da memória.

“Nossa hipótese é que o vírus possa invadir e afetar áreas relacionadas com estruturas de memória, acelerando a progressão de quadros demenciais de indivíduos já previamente propensos. De uma maneira mais objetiva, isso já acontece na demência de Alzheimer, mas de uma forma mais lenta. O que o vírus faria seria acelerar esse processo”, sugeriu o psiquiatra.

Ainda de acordo com Damiano, não existe um tratamento específico para a perda de memória, além da prevenção. “Mas podemos fazer coisas para diminuir os sintomas de maneira geral e, em algumas pessoas, remitir o quadro com ajuda de exercício físico, com a reabilitação cognitiva com profissional de neuropsicologia e com uma alimentação mais regrada”.

Pacientes com Alzheimer

As evidências científicas apontam que a disfunção sensorial pode se manifestar nos pacientes com Alzheimer antes mesmo do aparecimento dos primeiros sintomas cognitivos – isso sugere a existência de uma relação entre a região cerebral que é responsável pela memória e a que registra e interpreta os estímulos olfativos.

Inclusive, uma pesquisa publicada no fim de julho deste ano na revista “Alzheimer’s & Dementia” chegou às mesmas conclusões e sugeriu que testes de olfato – uma ferramenta barata e simples – sejam incluídos nos exames de rotina de idosos para identificar precocemente os sintomas de perda cognitiva e sinais de demência.

Fonte: Agência Einstein

Este post foi modificado pela última vez em 11 de janeiro de 2023 10:15

Marcela Guimarães

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