Com os votos dos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, nesta quinta, oito dos onze juízes que compõem o STF rejeitaram a tese, defendida pelo poderoso lobby agropecuário, que só reconhece como territórios indígenas aqueles ocupados pelos povos originários quando a Constituição foi promulgada, em 1988.
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Cármen Lúcia afirmou que a sociedade brasileira tem uma “dívida impagável” com os povos indígenas.
“Não pode haver retrocessos nos direitos reconhecidos, incluídos os que se referem às terras tradicionalmente ocupadas”, acrescentou.
A tese do marco temporal ameaçava quase um terço das mais de 700 reservas indígenas existentes no país, a maioria na Amazônia, segundo a ONG Instituto Socioambiental.
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A homologação garante a estes povos o direito a ocupar essas terras, bem como o uso exclusivo de seus recursos naturais.
Resta agora o voto de Rosa Weber, presidente da corte. Apenas dois juízes votaram a favor da tese, André Mendonça e Kassio Nunes Marques.
Após a conclusão dos votos de todos os ministros, o STF ainda deve decidir se prevê indenizações para alguns proprietários de terras que seriam transformadas em reservas.
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‘Julgamento do século’
Como aconteceu em sessões anteriores, centenas de indígenas se mobilizaram em Brasília para acompanhar as discussões.
Reunidos diante do STF, os manifestantes, vários deles com pinturas corporais e cocares, acompanharam o debate em um telão.
Assim que a maioria dos votos foi atingida, alguns explodiram em gritos e dançaram de alegria, enquanto outros se abraçavam, emocionados.
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“A Justiça está do lado dos povos indígenas”, disse à AFP Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Considerado o “julgamento do século” pelos indígenas, o processo começou em agosto de 2021, mas precisou de onze sessões para chegar a uma maioria.
O STF, guardião da Constituição, analisa concretamente uma disputa da nação Xokleng sobre o território Ibirama-Laklano, em Santa Catarina.
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Em 2009, uma sentença de primeira instância tirou do território o status de reserva, com o argumento de que as comunidades que o ocupavam não viviam ali em 1988.
“Meu avô queria tanto isso e ele não está aqui para ver. Estou muito emocionada porque ele lutou tanto por isso e não está aqui pra ver”, disse Txului Namblá, uma jovem Xokleng de 18 anos.
Além do pleito dos Xokleng, o veredicto deve afetar muitas outras terras em disputa.
Em debate no Congresso
Os indígenas rejeitam a tese do marco temporal, argumentando que muitos povos originários foram expulsos de suas terras ancestrais ao longo da História, especialmente durante a ditadura militar (1964-1985).
A hipótese tem o apoio de representantes do poderoso agronegócio, que consideram este limite necessário para dar “segurança jurídica” aos grandes produtores rurais.
Os dois ministros do STF que votaram a favor do marco temporal – Mendonça e Nunes Marques – foram nomeados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), aliado dos ruralistas, em cuja gestão o desmatamento disparou.
O resultado do julgamento também é acompanhado de perto por organizações ambientalistas.
Muitos cientistas consideram as terras indígenas protegidas pelo Estado barreiras contra o desmatamento e estratégicas na luta contra o aquecimento global.
O tema também está em discussão no Congresso. Em maio, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que valida o limite temporal na demarcação de terras, o que foi considerado um revés para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defensor declarado das causas indigenistas.
Uma votação sobre esse projeto de lei está prevista na próxima semana em uma comissão do Senado.
Os parlamentares defendem que é atribuição do Congresso – e não da suprema corte – tomar a decisão sobre a validade dessa tese.
Desde que iniciou o terceiro mandato, Lula determinou a demarcação de oito novas terras indígenas.
Bolsonaro, por sua vez, cumpriu a promessa de não demarcar nem um centímetro de terras indígenas durante o seu governo.
A decisão do STF é uma “resposta muito importante desse cenário de ameaças de criminalização que nós vivemos nos últimos quatro anos”, disse à AFP Kleber Karipuna, diretor-executivo da Associação de Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Mas também é uma sinalização ao governo Lula para que “consiga avançar na demarcação de terras indígenas, que ainda tem um déficit gigantesco”, acrescentou o dirigente, de 45 anos.
Segundo dados da Funai, as terras indígenas ocupam 13,75% do território brasileiro.
De acordo com o IBGE, vivem no Brasil cerca de 1,7 milhão de indígenas dentro e fora de reservas, dos 203 milhões de habitantes do país.
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