O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação para garantir que pacientes com câncer atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) tenham acesso ao tratamento em até 60 dias. O prazo máximo para o início da terapia é determinado na legislação brasileira e seu descumprimento aumenta o número de mortes pela doença. Réus devem pagar uma indenização de pelo menos R$ 10 milhões caso descumpram ação.
Conforme prevê a legislação brasileira atual, pacientes com câncer atendidos pelo SUS devem ter acesso ao tratamento em, no máximo, 60 dias. Contudo, uma década depois da aprovação da norma, milhares de pessoas nas filas de espera do SUS ainda sofrem com o começo tardio dos tratamentos, com consequente dano à qualidade de vida e aumento da mortalidade.
Para garantir os direitos dos usuários do SUS, nos termos da Lei nº 12.732/2012, o MPF requer que a União adote, em 90 dias, as providências para que seja reativado o módulo de tratamento do Siscan ou institua outro sistema confiável e compatível, permitindo o registro adequado de dados de pacientes diagnosticados com câncer. O Estado de São Paulo também terá o mesmo prazo para impor controle e transparência às filas de espera do SUS, seja por meio da Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross) ou outro sistema, garantindo prioridade aos pacientes oncológicos em consultas, exames, cirurgias, quimioterapia e radioterapia. Com isso, os réus deverão cumprir os prazos estabelecidos na legislação, assegurando que, nas hipóteses de neoplasias malignas, o diagnóstico ocorra em até 30 dias e o tratamento seja iniciado no prazo de 60 dias ou menos, conforme a necessidade terapêutica do caso.
A ação também requer que sejam identificados e informados os nomes de todos os usuários do SUS que, desde a entrada em vigor da Lei nº 12.732/2012, morreram com diagnóstico de câncer após demora no início do tratamento.
Para cada um desses pacientes, o MPF solicita que os réus sejam condenados ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em valor não inferior a R$ 100 mil. É requerida ainda indenização de pelo menos R$ 50 mil por usuário do SUS que não teve acesso à terapia contra o câncer no prazo máximo de 60 dias. Por fim, a ação pede que a União e o Estado de São Paulo paguem no mínimo R$ 10 milhões, caso não consigam identificar todos os pacientes oncológicos cujos direitos ao tratamento foram desrespeitados.
O MPF também requer que, nos casos suspeitos de câncer, os exames para o diagnóstico completo sejam feitos em até 30 dias, conforme determina a lei. Réus na ação, a União e o Estado de São Paulo deverão rastrear os usuários do SUS cuja espera por tais exames e pelo início do tratamento já ultrapassou os prazos legais, adotando medidas concretas para solucionar o problema.
Segundo dados fornecidos pela Secretaria estadual de Saúde, em 2019, 18,6% dos pacientes oncológicos de São Paulo (o equivalente a 18.475 pessoas) aguardaram mais de dois meses entre o diagnóstico e o começo da terapia.
No caso de algumas neoplasias, como os tumores de próstata e de colo do útero, o índice chegou a 46% e 44% dos pacientes, respectivamente. Os dados, contudo, são parciais e revelam outro problema, além do franco descumprimento dos prazos previstos na Lei nº 12.732/2012: o registro e o monitoramento dos casos de câncer no Brasil não têm sido feitos da forma correta, devido à ausência de uma ferramenta oficial para cadastro das informações.
Atualmente, o Siscan – Sistema de Informação do Câncer, do Ministério da Saúde –, que deveria ser alimentado por serviços do SUS de todo o país com dados sobre os pacientes oncológicos, não vem sendo amplamente utilizado. O módulo de tratamento do sistema, que tinha como propósito justamente captar os dados sobre o tempo de terapia, foi desabilitado por apresentar inconsistências. Como resultado, em 2019, por exemplo, a ausência de informações a cerca do tratamento abrangia 45,22% dos pacientes oncológicos do Estado de São Paulo (cerca de 44.939 pessoas).
Neste mesmo ano, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) criou o Painel Oncologia, que também apresenta problemas. E que, apesar de ser um sistema não oficial, é o único disponibilizado pelo Ministério da Saúde para avaliar o intervalo entre o diagnóstico de câncer e o início do tratamento.
“Por consequência, não há como a pasta apurar a real situação do cumprimento da ‘lei dos 60 dias’ no território nacional, qual a demanda reprimida, que motivos geram tal demanda e quais providências devem ser adotadas”, alerta o procurador da República Pedro Machado, autor da ação do MPF.
As investigações revelam a omissão dos gestores públicos em obter dados confiáveis que possibilitariam aferir se os direitos dos usuários do SUS vêm sendo respeitados, bem como apurar a responsabilidade nos casos de descumprimento dos prazos legais.
“Evidente que essa situação calamitosa de extrema demora e ausência de dados nos registros hospitalares sobre câncer impactam diretamente na qualidade da assistência prestada aos pacientes, bem como na avaliação da eficácia de diagnóstico e tratamento, no planejamento hospitalar, no correto dimensionamento e oferta de vagas de exames diagnósticos e tratamentos, no direcionamento de pesquisas, na elaboração de programas de saúde pública e no acompanhamento das políticas de saúde destinadas à prevenção e tratamento do câncer. Em suma, impactam diretamente na vida ou na morte de milhares de pessoas todos os anos”, destaca Machado.
Fonte: Assessoria de Comunicaçãpo – Ministério Público Federal em São Paulo
Este post foi modificado pela última vez em 26 de outubro de 2022 12:56
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