Violência obstétrica: o caso Shantal Verdelho e a censura ao termo

O termo "violência obstétrica" voltou ao debate no Brasil depois que um juiz de São Paulo rejeitou a denúncia contra o médico Renato Kalil, acusado de agredir a influenciadora Shantal Verdelho durante o parto em setembro de 2021. A violência obstétrica não está tipificada na legislação brasileira como um delito, apesar de ser frequentemente denunciada pelas mulheres. O termo foi censurado pelo governo Jair Bolsonaro em 2019. Críticos da medida dizem que ela atrapalha o combate ao abuso na cena do parto. Entenda a polêmica.

Publicado por
Marcela Guimarães

O caso da influenciadora Shantal Verdelho ganhou repercussão depois de vídeos do seu trabalho de parto circularem nas redes sociais. As imagens mostram o médico utilizando expressões como ‘faz força, porra’, ‘teimosa, ela não quer ‘episio’ (episiotomia – corte vaginal), ‘o útero dela é ruim’, ‘viadinha, ela não faz força’. A história foi contada no programa Fantástico, da TV Globo.

Um caso clássico de violência obstétrica, realidade para uma em cada quatro mulheres brasileiras, segundo o estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC), em 2010.

No Brasil, além de lutar por um parto normal e humanizado – onde o número de cesárias ainda é maior – quem milita na causa feminina tem que enfrentar também a censura ao termo violência obstétrica em todos os órgãos de saúde governamentais, desde maio de 2019 .

Na época, o Ministério da Saúde emitiu um despacho defendendo abolir das políticas públicas e normas o uso do termo “violência obstétrica”, citado frequentemente para definir casos de violência física ou psicológica praticados contra gestantes na hora do parto. (Folha de S.Paulo)

A decisão foi endossada pelo Conselho Federal de Medicina – que vem sendo denunciado por entidades médicas como braço do bolsonarismo – e alega que o termo poderia criminalizar obstetras.

POr outros lado, uma série de órgãos ligados à saúde da mulher como a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) e a Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras repudiaram a censura à expressão “violência obstétrica”. O Ministério Público  Federal (MPF) entrou com ação contra o CFM, mas o caso ainda tramita na Justiça.

Violência obstétrica e a história do parto

Conversamos sobre o assunto com a obstetra Juliana Giordano, doutora em saúde materna pela Unicamp, cofundadora da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras e uma das autoras de artigo científico publicado na revista norte-americana “Birth” sobre parto humanizado. O que está por trás da censura do termo “violência obstétrica”? Por que o uso do termo é defendido pelo movimento contra a violência na cena de parto. Leia e ouça se quiser:

Juliana Giordano, médica obstetra, doutora em saúde materna

“O termo violência obstétrica foi inicialmente difundido pelo movimento de humanização do parto latino-americano, que juntamente com o movimento feminista buscava a autonomia das mulheres sobre seus corpos na hora do parto”, explica a médica

Juliana lembra que, ao longo da história, as mulheres foram perdendo autonomia e poder de decisão sobre o próprio corpo na hora do nascimento de uma criança no ambiente hospitalar.

“O parto saiu do ambiente domiciliar e veio pro hospital. No início do século passado, tivemos muitos ganhos com o advento da cesariana e várias tecnologias que diminuíram a mortalidade materna e neonatal. Mas tivemos muitas perdas também, principalmente no que se refere a experiência de parto. Muitas mulheres, atualmente, se sentem violentadas na hora do parto. Uma sensação de não respeito ao seu corpo, às suas vontades”, explica Juliana.

A violência no parto foi levantada como uma questão mundial em 1993, na Organização das Nações Unidas, quando líderes mundiais assinaram um documento se comprometendo a combater o problema. De lá pra cá esse movimento só cresceu.

Além de ter sido escolhido pelas mulheres, o termo violência obstétrica traz com ele um sentido amplo, que vai além do desrespeito ou abuso na cena de parto, e significa algo sistêmico e por isso precisa ser combatido. “A violência é institucional, então o combate deve ser institucional”, defende a médica. “É uma cultura no ambiente hospitalar” que ajuda a perpetuar a violência contra a parturiente, e por isso precisa ser combatida, conclui.

Ouça a a explicação da médica Juliana Giordano:

Curto Curadoria:


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Marcela Guimarães

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