Os episódios de violência religiosa têm crescido no Brasil, conforme mostra o primeiro mapeamento do racismo religioso no país, o "Respeite meu Terreiro", organizado pela Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro). Quase 99% das lideranças religiosas de 53 núcleos regionais de todo território brasileiro afirmaram já ter sofrido algum tipo de ofensa. Ao mesmo tempo, debates religiosos têm sido centrais nas eleições deste ano. Por que é tão difícil separar fé e política no Brasil? O Curto conversou sobre o tema com José Sepulveda, coordenador do Observatório da Laicidade na Educação da Universidade Federal Fluminense.
Você sabia que no Brasil tem uma das maiores populações cristãs do mundo? De acordo com uma pesquisa DataFolha de 2019, 50% declaram católicos e 31% evangélicos. Uma minoria, 0,3%, declara-se seguidora de religiões de matrizes africanas. E as estatísticas mostram que pessoas e terreiros são os principais alvos de crimes de ódio e intolerância religiosa no país. (Politize)
No ano passado, das 571 denúncias de violação à liberdade de crença registradas no Brasil, mais da metade estavam relacionadas a religiões afro, segundo dados do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH).
Fica mais claro a intolerância ligada ao racismo contra pessoas vinculadas ao candomblé e à umbanda quando olhamos o recorte racial do grupo: dentre os que se dizem vinculados a estas crenças, há uma concentração de mais de 20% de pessoas que se declaram pretas, de acordo com o IBGE.
Apesar de o Brasil ser um Estado laico, muitas vezes uma linha tênue mantém separada a política da religião. Em momentos decisivos como o de eleições, isso se torna ainda mais claro.
Mas a mistura de assuntos públicos com crenças individuais não é nova por aqui, segundo José Antonio Miranda Sepulveda, coordenador do Observatório da Laicidade na Educação da Universidade Federal Fluminese (OLÉ/UFF).
“A gente tem uma história carregada de uma relação imbricada entre Estado e religião. A gente herda, enquanto país independente em 1822, um Estado religioso ou o que os historiadores chamam de padroado, uma fusão entre Estado e religião.”
Sepulveda, que também é doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), elenca outros fatos que mostram como o Estado brasileiro se “organiza de forma umbilical com a religião”:
O professor refere-se da confusão entre Estado e Igreja. “Essas confusões são enraizadas de tão forma que não é fácil eliminá-las. Até que você naturaliza que a religião faz parte desse universo, do Estado”. É por isso que, segundo o professor, é comum vermos nas paredes em ambientes como escolas públicas e Assembleias Legislativas o crucifixo, símbolo católico. “Se fossem retirar um símbolo desse e colocar um de uma religião de matriz africana, as pessoas iam naturalizar da mesma forma? É claro que não.”
Estado laico e liberdade religiosa
Mas as tensões “democráticas” entre religiões são naturais, segundo o professor. Ele explica como a laicidade é o princípio que garante que os cidadãos possam escolher, disputar, debater e expressar diferentes crenças e manifestações religiosas.
Ouça um trecho da entrevista do Curto News com o professor José Sepulveda:
Segundo o professor da Faculdade de Economia da USP Raphael Corbi, “a religião está mais à frente da discussão pública e os valores religiosos estão determinando mais, dando mais forma a como a sociedade se comporta”.
Para observar esta relação próxima durante o período eleitoral deste ano, o Centro de Estudos de Religião e Políticas Públicas (CERP) da USP, encabeçado pelo professor Raphael, criou o “Monitor Liderança”. O projeto coleta e analisa tweets de figuras religiosas influentes no Brasil, e as movimentações políticas da religião que estão afetando a sociedade. Acompanhe aqui as edições semanais dos boletins do projeto.
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