A IA generativa no ambiente educacional: proibir ou institucionalizar?

A tecnologia e a sua evolução veloz reconfiguram a textura do nosso quotidiano. Com tais ferramentas - potentes, capazes de remodelar a nossa existência e interações - o peso da responsabilidade aumenta. No universo da Inteligência Artificial generativa (IA), essa responsabilidade também é um ”fardo coletivo", para instituições, governos, empresas e pessoas.

Buscamos um roteiro, um manual, um conjunto de instruções passo-a-passo que nos diga como utilizar essas ferramentas avançadas. No entanto, quando se trata de IA generativa, tais instruções precisas não existem, ao menos, ainda. Assim como um explorador diante de um território não mapeado, precisamos aprender a encontrar nosso caminho seguro.

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Sim, a regulamentação da IA é necessária e é algo que devemos desejar e trabalhar em seu favor. No entanto, antes que tais normas sejam formalizadas, há um papel crítico que todos nós – criadores, desenvolvedores e usuários de IA – devemos desempenhar. Somos os pioneiros, os primeiros a caminhar por esses mares desconhecidos. Como tal, nossas ações e decisões que tomamos agora ajudarão a moldar a paisagem futura quanto ao uso adequado da IA.

Quando falamos sobre o avanço da IA generativa no processo de aprendizagem, no ambiente escolar e universitário, esse desafio é ainda mais amplo. Enquanto algumas instituições hesitam, outras se paralisam. Algumas, porém, a partir de seu corpo docente, tem se aventurado na descoberta. Seja de forma autorizada, institucionalizada ou não, há um notório interesse sobre o tema.

A Regulação da Inteligência Artificial (IA) em um contexto global (Newsverso/Uesley Durães)
A Regulação da Inteligência Artificial (IA) em um contexto global (Newsverso/Uesley Durães)

A resistência daqueles que se afastam é compreensível. Há muito que o papel tradicional do professor, que até então era tratado como um oráculo do saber, está sendo transformado por novos processos de aprendizagem. E é bom que seja assim. 

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Enquanto escolas de Nova York proibiram o uso no ambiente escolar por receio de plágio, uma escola do Rio Grande do Sul, no Brasil, faz um experimento guiado: na Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Novo, em Porto Alegre, a inovação tecnológica se destaca graças à iniciativa de Tatiane Reis, uma educadora renomada na área de Inteligência Artificial (IA).

Em uma abordagem pedagógica inspirada nas metodologias ágeis, Reis estruturou dois projetos de ensino: a Guilda dos Curiosos e a Guilda dos Desenvolvedores. Essas guildas funcionam como comunidades de aprendizado baseadas na inteligência coletiva, enquanto os “chapters” atuam como subgrupos voltados para interesses específicos.

O resultado desse trabalho colaborativo foi o desenvolvimento do jogo “Escola dos Orixás”. Esta criação foi inspirada pelo contexto cultural dos alunos, muitos dos quais pertencem a uma comunidade com forte presença de terreiros de umbanda. Durante o processo de criação, várias ferramentas tecnológicas foram empregadas, incluindo o ChatGPT, uma ferramenta de IA.

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Além de ser um recurso prático na elaboração do jogo, a IA também se tornou objeto de estudo. Reis conduziu discussões com os alunos sobre os conceitos fundamentais de inteligência, história da computação e linguagens de programação. Durante esses debates, o ChatGPT desempenhou um papel crucial, não apenas como uma ferramenta de pesquisa, mas também para ensinar aos alunos a importância das perguntas no mundo da IA.

Esta iniciativa traz a chance para professores e alunos navegarem juntos por águas desconhecidas, aprendendo simultaneamente. Uma jornada conjunta de descoberta.

Compreensão das IAs generativas para a educação

Em uma formação recente para professores de pós-graduação, testemunhei o poder transformador desse tipo de abordagem. Tive a honra de conduzir uma formação para mais de 100 professores de uma pós-graduação em Direito, voltada para a compreensão sobre as IAs generativas dentro do processo de aprendizagem. Mais do que uma simples transmissão de conhecimentos, foi uma imersão em humildade e descoberta de todos os lados. 

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Ficou claro que o ensino, neste novo cenário, demanda uma postura de aprendizado contínuo. Não se trata mais apenas de transmitir respostas, mas de embarcar com os alunos em uma odisseia de questionamentos e explorações.

Nessa paisagem em transformação, o mantra “aprender fazendo” adquire uma relevância ainda maior. Poderíamos cair na tentação de institucionalizar rapidamente o uso da IA, buscando padronizações e certezas. No entanto, questiono: isso não limitaria o vibrante dinamismo da aprendizagem? 

Certamente, ao adotar essa postura, encontraremos desafios. As IAs generativas, por mais promissoras que sejam, também trarão dilemas éticos, pedagógicos e técnicos. Mas é precisamente essa complexidade que enriquece a jornada educacional. Cada desafio se transforma em uma oportunidade para aprofundar o entendimento, refinar abordagens e, de fato, inovar.

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“Não vamos conseguir, porém, fazer o bolo sem quebrar os ovos”

Este é o cerne da questão: a aprendizagem não é mais um caminho unilateral, do professor para o aluno. É uma dança, um diálogo, uma co-construção de conhecimento. Em vez de institucionalizar o uso prematuro de tecnologias emergentes, podemos pensar que abraçar o dinamismo da aprendizagem e permitir que professores e alunos moldem juntos o futuro da educação pode ser um bom começo, ainda que trabalhoso. Não vamos conseguir, porém, fazer o bolo sem quebrar os ovos.

E sim, ferramentas como IAs generativas nos apresentarão desafios – alguns previsíveis e outros que só perceberemos ao longo do caminho. Mas, não é isso que a aprendizagem sempre foi? Uma série de desafios e descobertas? “Aprender fazendo” não é apenas um lema; é um chamado. Um convite para embarcar na jornada mais autêntica e rica que a educação tem a oferecer.

De fato, não apenas estamos navegando pelo desconhecido,  mas estamos desenhando a nova rota conforme avançamos. Cada ação que tomamos, cada decisão que fazemos, está contribuindo para a formação de uma  “cultura de uso da IA” em cada ambiente em que atuamos.

Daí a importância de uma consciência coletiva sobre como a IA deve ser usada para beneficiar as nossas relações e a nossa responsabilidade com uma sociedade que não sofra os prejuízos de nossas ações concretas.

Ousemos então, enquanto educadores e alunos, dentro do contexto que vem sendo instaurado por IA’s generativas questionar, aprender e ensinar num processo conjunto. Porque é na intersecção entre as potencialidades humanas criativas em conjunto com saberes tradicionais e inovadores é que a magia do aprender pode verdadeiramente acontecer neste contexto.

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Sílvia Piva é advogada, mestra e doutora em Direito pela PUC-SP. Entusiasta das tecnologias, ela é pesquisadora da FGV e PUC-SP sobre Tecnologias Emergentes, Tecnofilosofia, Ética e Regulação. Além disso, a advogada é uma das fundadoras do Ex nunc metaverse, o primeiro metaverso jurídico do Brasil. Piva ainda integra um escritório de advocacia e é líder do hub Nau d’Dês.

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