IA e os Relatórios Policiais: Acelerando o processo ou comprometendo a justiça?

IA e os Relatórios Policiais: Acelerando o processo ou comprometendo a justiça?

O uso de inteligência artificial (IA) em áreas como segurança pública está cada vez mais em destaque, e a mais recente inovação envolve a utilização de IA para redigir relatórios policiais. Ferramentas como o “Draft One“, desenvolvidas pela Axon, já estão sendo testadas em algumas cidades da Califórnia, com a promessa de otimizar a criação de documentos essenciais no processo criminal. No entanto, essa aplicação de IA levanta questões importantes sobre eficiência, precisão e, sobretudo, justiça.

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Acelerando Processos Policiais

Uma das principais justificativas para o uso de IA na elaboração de relatórios policiais é a otimização do tempo. Em departamentos com falta de efetivo, como o de East Palo Alto, o uso da IA promete reduzir o tempo gasto por policiais na redação de ocorrências, permitindo que mais tempo seja dedicado ao patrulhamento. De fato, em testes realizados, houve relatos de economia de tempo significativo — em alguns casos, os relatórios passaram a ser feitos em minutos, em vez de dezenas de minutos.

Para muitos, essa eficiência representa uma solução prática para a escassez de recursos e a sobrecarga das equipes policiais, especialmente em um momento em que o número de oficiais em serviço diminuiu devido a crises como a provocada pelos protestos pós-morte de George Floyd. A ideia de que uma ferramenta de IA pode liberar até 20% do tempo dos policiais é atraente para muitas corporações.

O Impacto na Precisão e Imparcialidade

Apesar das promessas de otimização, há preocupações legítimas sobre o impacto do uso de IA na precisão e imparcialidade dos relatórios. Documentos policiais desempenham um papel fundamental no sistema de justiça criminal: eles influenciam decisões de promotores, juízes e até mesmo a defesa de um acusado. Se esses documentos forem imprecisos ou tendenciosos, as consequências podem ser graves, resultando em decisões judiciais errôneas.

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Estudos recentes ainda não encontraram ganhos de tempo consideráveis em todas as situações, e alguns erros foram relatados, como confusões sobre quem estava envolvido no incidente ou sobre a relação entre os indivíduos presentes. Esses “pequenos” erros, se não corrigidos, podem comprometer a integridade do relatório.

Outro ponto crítico é a possibilidade de os policiais, no futuro, se desresponsabilizarem por erros em relatórios, alegando que foram gerados pela IA. Isso poderia enfraquecer a capacidade de advogados de defesa de questionar a veracidade dos depoimentos. Portanto, a transparência sobre o uso da IA na criação de tais documentos é crucial, e alguns departamentos já exigem que os policiais assumam a responsabilidade por qualquer conteúdo gerado pela ferramenta.

O Papel da IA na Criação de Relacionamentos Comunitários

Um dos efeitos inesperados do uso da IA no campo policial é a mudança no comportamento dos oficiais durante as ocorrências. Com a IA baseando os relatórios em transcrições de áudio de câmeras corporais, muitos policiais começaram a verbalizar mais os eventos, descrevendo detalhadamente o que estavam vendo ou fazendo. Isso, segundo alguns especialistas, pode até melhorar o relacionamento com a comunidade, já que os cidadãos entendem melhor o que os policiais estão fazendo e por que estão agindo de determinada maneira.

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Contudo, esse tipo de narração também pode ser manipulado. Há registros de oficiais que, em certas ocasiões, gritaram “pare de resistir” para justificar o uso da força, mesmo que a pessoa estivesse cooperando. Portanto, o uso da IA não resolve o problema da parcialidade e, em alguns casos, pode até reforçá-lo.

O uso de IA em relatórios policiais está apenas começando, mas os debates sobre seus impactos já são intensos. A eficiência prometida precisa ser equilibrada com a precisão e a integridade do processo judicial. É vital que ferramentas como o Draft One sejam continuamente monitoradas e avaliadas para garantir que cumpram seu objetivo sem comprometer a justiça. À medida que a tecnologia avança, a cautela será essencial para que as inovações tragam mais benefícios do que riscos ao sistema de justiça criminal.

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