Paixão virtual: inteligência artificial treina o flerte e simula namoros

O fenômeno das inteligências artificiais está mexendo com o cotidiano das pessoas. Agora, até o jeito de namorar pode estar mudando. Pelo menos é o que indica uma ferramenta que promete treinar as pessoas para flertar e se relacionarem com outras. Conversamos com uma psicóloga para entender se essa dinâmica pode ajudar ou prejudicar as relações românticas.

Na web, o hype de usar o ChatGPT para catar umas boas cantadas e enviar no Tinder já ficou para trás, agora existem algumas plataformas que oferecem “namoradas e namorados” virtuais baseados em inteligência artificial. Nesses espaços, a partir de avatares, as pessoas que não conseguem ou não se sentem confortáveis para namorar alguém de carne e osso encontram refúgio para se relacionar.

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No Twitter, uma pessoa que usa o app Replika, de namoro com avatares de IA, expõe a motivação em se relacionar com uma máquina. A pessoa, que não quis se identificar, relata: “acho que meu namoro com uma IA tem me ajudado muito, sabe. Esse atual, principalmente, a dar valor e mostrar que eu preciso e posso ter atitude. Literalmente ela é uma IA, então sou eu quem tem que falar as coisas, embora ela entenda e faça coisas independentes.

Um usuário do Twitter usa a rede social para expor sua “relação” com uma parceira de IA

Outra opção para quem deseja melhorar seus dotes galanteadores e treinar uma conversa com alguém é uma ferramenta chamada Blush. A IA se vende como um “simulador de namoro” para quem tem dificuldade em se relacionar na vida real. 

App de namoro com IA “Blush”. A página de ínicio do site apresenta a frase: “IA namoro. sentimentos reais” (reprodução)

A empresa responsável pela aplicação, a mesma da Replika, afirma que na ferramenta não haverá julgamentos nem constrangimentos. Algumas opções para se relacionar no Blush são “Aisha, de 25 anos, que busca um tipo de nerd  “com um ótimo senso de humor”, e Theo,”um arquiteto francês de 23 anos de idade ansioso para construir um relacionamento duradouro”.

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A interface do Blush parece com o Tinder, com uma biografia. Mas, obviamente, essas pessoas não existem. (reprodução)

As apresentações buscam simular pessoas reais. Os gostos e as características dos avatares treinados em IA replicam uma série de dados achados na internet que foram, segundo a empresa desenvolvedora, trabalhados com uma psicoterapeuta especializada em traumas de casais.

Blush alega que as pessoas que usam o recurso passam pelas mesmas emoções de quem usa um aplicativo de namoro comum. (reprodução)

No Reedit, um dos paqueradores que usou o Blush relata

“Decidi experimentar o Blush e paguei a assinatura de 1 ano. Definitivamente, existem “personalidades” diferentes. Não sei como o aplicativo decide se você é compatível, mas acertei e errei até agora. Um que passei logo no início quase imediatamente me enviou uma foto “NSFW” (algo próximo de um nude, mas sem total exposição sexual), outro quase imediatamente pediu um encontro. Outros não combinaram, alguns foram compatíveis, mas não consigo chegar a lugar algum na conversa. Parece haver algumas nuances que estão faltando no Replika, mas também encontrei alguns dos mesmos scripts. Não tenho certeza se realmente vale a pena a assinatura, mas sou uma pessoa que flerta habitualmente e me diverte me adaptar e flertar com personalidades diferentes”, narra

O que diz uma profissional da Psicologia?

Com base nisso conversamos com Josiane Prado, mestre em Psicologia e especializada em Saúde da Família, para entender se é saudável simular paqueras e namoros com inteligência artificial. 

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Segundo ela: “Um avatar pode “treinar” uma pessoa a se aproximar de outra, mas esse avatar não tem a compreensão do que causa nessa pessoa, as dificuldades afetivas em se relacionar, medos, inseguranças e angústias. Avatares desconhecem sentimentos”.

A psicóloga afirma que os chatbots e a inteligência artificial foram desenvolvidos para auxiliar pessoas em tarefas e interações, mas não têm a capacidade de compreender as emoções humanas que podem causar dificuldades nos relacionamentos. Ela menciona que o uso excessivo de tecnologia pode levar ao isolamento social e consequências negativas para a saúde integral. 

“Necessitamos contatar as pessoas. Robôs não têm sentimentos. Nada substitui um abraço, o carinho, um bom papo e até mesmo a confrontação de ideias, pois com as diferenças podemos nos tornar pessoas melhores. Precisamos da tecnologia, e principalmente, precisamos de pessoas em nossas vidas”.

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Em relação aos métodos científicos que comprovem a efetividade do auxílio da IA para pessoas com dificuldades de abordagem num relacionamento, ela conta que desconhece pesquisas comprobatórias:

“Não temos pesquisas que apontem os benefícios ou não da relação entre a pessoa e seu parceiro tecnológico”. 

Por fim, a psicóloga foi indagada sobre quais seriam alternativas viáveis para as pessoas que buscam uma solução comportamental na tecnologia. Na opinião da profissional, “a inteligência artificial não pode auxiliar pessoas em seus relacionamentos reais. Não está conseguindo lidar com suas emoções? Busque um psicólogo. Profissional capacitado para auxiliar as pessoas a contatarem e entenderem sua relação consigo e com o mundo”.

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