Estudo revela que Groenlândia passou por fase de degelo e alerta para risco futuro

Uma camada de gelo com um quilômetro e meio de espessura desapareceu na Groenlândia cerca de 416.000 anos atrás, durante um período de aquecimento natural moderado, o que causou o aumento do nível do mar a limites que hoje seriam uma catástrofe para as regiões costeiras, de acordo com um estudo publicado nesta quinta-feira (20).

Os resultados contradizem a visão de longa data de que a maior ilha do mundo foi uma fortaleza de gelo impenetrável nos últimos 2,5 milhões de anos e mostram, ao contrário, que será muito mais vulnerável do que se pensava às mudanças climáticas causadas pelo homem.

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“Se queremos entender o futuro, precisamos entender o passado”, disse à AFP Paul Bierman, cientista da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, e co-diretor do artigo publicado na revista Science.

A pesquisa foi baseada em um núcleo de gelo extraído 1.390 metros abaixo da superfície do noroeste da Groenlândia por cientistas de Camp Century, uma base militar secreta em funcionamento na década de 1960.

O tubo de terra e rocha, com 3,6 metros de comprimento, ficou esquecido em um freezer até ser redescoberto em 2017.

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Os cientistas ficaram surpresos ao descobrir que ele continha não apenas sedimentos, mas também folhas e musgos, evidência irrefutável de uma paisagem sem gelo, talvez coberta por uma antiga floresta onde mamutes lanosos vagavam.

Uma Groenlândia verde

Embora os pesquisadores tenham sido privados de acesso à amostra durante décadas, Bierman afirmou que, de certa forma, isso foi “providencial”, pois as técnicas mais precisas usadas para datar o núcleo são muito recentes.

Entre elas, destaca-se a “datação por luminescência”, que permitiu aos cientistas determinar a última vez que o sedimento enterrado sob a superfície terrestre foi exposto à luz solar.

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“Conforme o sedimento é enterrado, a radiação de fundo do solo preenche pequenos orifícios ou imperfeições de minerais como quartzo ou feldspato, acumulando ao longo do tempo o que chamamos de sinal de luminescência”, explicou à AFP Drew Christ, coautor do estudo.

Em um quarto escuro, os cientistas cortaram tiras internas do núcleo de gelo e as expuseram à luz azul-verde ou infravermelha, liberando os elétrons presos que formam uma espécie de relógio antigo, mostrando a última vez que estiveram expostos à luz, o que apaga o sinal de luminescência.

“E a única maneira de fazer isso em Camp Century é remover um quilômetro e meio de gelo”, explicou Tammy Rittenour, outra coautora da pesquisa, da Universidade Estadual de Utah. “Além disso, para ter plantas, é preciso ter luz”.

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A datação por luminescência forneceu o ponto final do período sem gelo, enquanto o ponto inicial veio de outra técnica.

Dentro do quartzo encontrado no núcleo de Camp Century, acumulam-se formas raras – chamadas isótopos – dos elementos berílio e alumínio quando o sedimento é exposto ao céu e aos raios cósmicos.

Ao observar a proporção entre as formas normais desses elementos e os isótopos raros, os cientistas puderam deduzir quanto tempo as rochas estiveram na superfície e quanto tempo permaneceram enterradas.

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Eles descobriram que os sedimentos ficaram expostos por menos de 14.000 anos, o que significa que esse foi o tempo que a área ficou sem gelo.

Cidades costeiras em perigo

O núcleo de Camp Century foi retirado a apenas 1.200 quilômetros do Polo Norte e seu estudo mostrou que toda a região teria sido coberta por vegetação.

Isso ocorreu em um período de aquecimento natural chamado período interglacial, quando as temperaturas eram semelhantes às atuais, cerca de 1-1,5ºC mais quentes do que na era pré-industrial.

A simulação feita pela equipe de pesquisa mostrou que o derretimento da camada de gelo teria causado um aumento no nível do mar entre 1,5 e 6 metros naquela época.

Isso sugere que todas as regiões costeiras do mundo, lar de várias populações mundiais, correm o risco de ficar submersas nos próximos séculos.

Joseph MacGregor, cientista climático da Nasa, que não participou do estudo, apontou que o período interglacial que aqueceu a Groenlândia durante esse período durou dezenas de milhares de anos, muito mais do que o ser humano induziu até agora.

No entanto, “ultrapassamos em muito a magnitude do efeito indutor dos gases de efeito estufa daquela época”, disse ele.

Os níveis de dióxido de carbono na atmosfera, que retém o calor, atualmente são de 420 partes por milhão (ppm), em comparação com os 280 ppm do período sem gelo da Groenlândia, e permanecerão nos céus por milhares de anos.

“Estamos fazendo um experimento gigantesco na atmosfera da Terra e não conhecemos os resultados”, comentou Bierman. “Não vejo isso como ‘Meu Deus, o céu está caindo’, vejo como um chamado a agir”.

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