A urgência da moda sustentável: desafios e caminhos para uma indústria responsável

Conheça os impactos negativos da indústria da moda e descubra como a moda sustentável está se tornando uma alternativa mais consciente.

@curtonews

“Essa indústria inteira é marcada por polêmicas, como a intensa exploração de mão de obra barata e uma super geração de resíduos têxteis”, pondera Claudia Castanheira, colunista do CurtoNews, sobre a indústria da moda.

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Nas últimas semanas, imagens capturadas por um satélite registraram, do espaço, o lixão de roupas usadas no meio do deserto do Atacama, no Chile. As imagens são assustadoras: roupas sendo queimadas, uma comunidade de pessoas vivendo nas proximidades e uma extensão de montes de peças espalhados por toda parte. 

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Essa situação traz à tona, mais uma vez, as contradições da indústria têxtil e da moda, que persiste em nos vender ideais de beleza e elegância, enquanto, na realidade, tenta esconder um acúmulo de problemas socioambientais, como a exploração de trabalhadores e a intensa geração de resíduos têxteis.

Um pouco de história recente da moda

A partir da intensificação do processo de globalização nas décadas de 1970-80, a indústria da moda disseminou o consumo e a produção de roupas em escala global. Nos anos 1990, o grupo Inditex – responsável por marcas como a Zara – impulsionou o modelo conhecido como “Fast Fashion” (moda rápida), caracterizado pela produção e consumo acelerados, venda de roupas a preços mais acessíveis e descarte extremamente rápido.

Atualmente, estamos presenciando a popularização de um processo de produção, consumo e descarte ainda mais acelerado, o Ultra Fast Fashion, em que a marca Shein desponta como a principal representante desse padrão.

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Impactos sociais e ambientais desse modelo

O incentivo frenético do marketing ao consumo desenfreado, combinado com a produção em larga escala que carece de rastreabilidade da origem dos produtos e das condições de trabalho, são características intrínsecas do modelo de Fast Fashion e Ultra Fast Fashion.

Esse sistema, por sua vez, impõe uma exploração excessiva de recursos naturais, resultando em degradação ambiental, poluição e desigualdade social. Além disso, frequentemente nos deparamos com manchetes que denunciam casos de resgate de pessoas em situação análoga à escravidão na produção de nossas roupas, em que trabalhadores são submetidos a longas jornadas de trabalho, recebem salários insuficientes para viver dignamente, e relatam até abusos – é importante destacar que a mão de obra dessa indústria é majoritariamente composta por  mulheres.

O mercado de luxo

Embora a mídia geralmente destaque os impactos negativos apenas do Fast Fashion, não pense que o mercado de luxo também não é responsável por isso: preços altos não garantem sustentabilidade.

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Grandes marcas também enfrentam questões de transparência em suas cadeias de suprimento, incluindo a origem das roupas e dos materiais, como o couro. Um exemplo disso é um estudo recente da Stand Earth, que revelou a ligação direta entre diversas marcas de luxo e o desmatamento da Amazônia, devido à produção de couro. Vale lembrar que a pecuária é apontada como a principal causadora do desmatamento da floresta.

Como consequência, pode-se dizer que a indústria como um todo – da popular à luxuosa – é estruturada e marcada por polêmicas, como a geração de toneladas de resíduos têxteis, uso irresponsável de recursos naturais e hídricos e intensa exploração de mão de obra barata, principalmente de mulheres do sul global.

É válido pontuar, ainda, que essa indústria promove uma pressão cultural pela adoção de uma moda global uniforme, o que tem resultado na exclusão de diversas culturas e tradições vestimentares em prol das grandes tendências do mercado.

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Caminhos para uma moda mais sustentável

Em meio a tantos desafios a serem enfrentados, a Moda Sustentável surge como uma alternativa imperativa para promover justiça social e climática e preservar o meio ambiente.  Para muito além de poder ser resumida a “consumo consciente”, a moda sustentável envolve uma transformação profunda em toda a cadeia de produção dessa indústria, abrangendo todas as suas etapas – design, extração, manufatura, confecção, venda, uso e descarte.

Do estágio de design ao descarte, cada etapa deve considerar processos que não sejam prejudiciais ao meio ambiente, sejam socialmente justos e economicamente viáveis. Isso implica, por exemplo, utilizar matérias-primas mais sustentáveis para fazer tecidos, como o cânhamo, fibras de banana e linho, em detrimento ao problemático poliéster – que é plástico!

 Também é fundamental reduzir significativamente o consumo de água, energia e produtos químicos, problema comum na fabricação de tecidos e das peças.

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No momento da compra, é essencial exigir transparência das marcas quanto às condições de produção e quem foram as pessoas envolvidas no processo. Engajar-se em movimentos civis, como o Fashion Revolution, participar de ações de trocas de roupas e, se possível, optar por roupas de segunda mão também podem contribuir para uma moda mais sustentável.

No pós-consumo, as marcas devem oferecer programas de devolução dessas roupas, permitindo que, ao invés de serem descartadas no lixo, essas peças sejam revendidas ou até remanufaturadas, reduzindo a necessidade de explorar novos recursos naturais.

Afinal, a moda sustentável já existe?

É fundamental ressaltar que a indústria da moda sustentável ainda não existe: nós estamos passando por um processo de transição em direção a essa “moda sustentável”.  

Mas isso não significa dizer que algumas ações, pequenas marcas locais, artesãos e designers não podem colaborar para a prática de processos sustentáveis atualmente: práticas sustentáveis já são uma realidade, mesmo que em escala limitada.

Contudo, a moda só será verdadeiramente sustentável em larga escala quando os processos éticos de equilíbrio socioambiental se tornarem, enfim, a realidade dessa indústria. Quando ninguém mais precisar morrer ou viver em condições precárias para produzir uma roupa. Quando os rios não precisarem mais ser poluídos por conta dos processos de tingimento. Quando, a cada lavagem, nossas roupas não soltarem microplásticos que vão parar nos oceanos.

E, nesse caminho, é necessário que nós, enquanto consumidores, designers, trabalhadores, instituições, governos e grandes empresas, nos engajemos e pressionemos as marcas para que aumentem a transparência em seus processos de produção e adotem práticas mais justas para o meio ambiente e a humanidade.

Caso contrário, continuaremos a testemunhar imagens de lixões de roupas capturadas por satélites.

Claudia Castanheira é comunicadora socioambiental, professora e pesquisadora com foco em sustentabilidade e justiça socioambiental. É mestra em Discurso e Sustentabilidade (USP), fundadora do Brechós pelo Mundo e colaboradora do Fashion Revolution da Bélgica. @euclaudiacastanheira

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