“A onda coreana é um fenômeno cultural de origem sul-coreana, o momento em que a Coreia do Sul começa a exportar de forma massiva todos os seus produtos culturais, a sua indústria cultural de cultura pop. Não é uma indústria cultural ligada a uma tradição da cultura coreana, mas sim ligada à sua produção de cultura pop. Resumindo: a onda coreana é um fenômeno de exportação da cultura pop sul-coreana, que se expandiu no primeiro momento para os mercados regionais, mercados vizinhos da Coreia do Sul, e hoje nós já podemos considerá-la como um fenômeno global”, explicou Daniela Mazur, doutoranda em comunicação pelo programa de pós da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora associada ao MidiÁsia, grupo de pesquisa em mídia e cultura asiática contemporânea.
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Em entrevista à Agência Brasil, Daniela Mazur disse que esse salto da cultura pop sul-coreana é recente e mostra a ascensão de um país que foi arrasado por diversas guerras e invasões e se transformou em um dos principais players globais neste século. Para isso, houve participação do governo, que criou leis de incentivo para que essa indústria cultural pop – e forte – pudesse se estruturar.
“O papel do governo da Coreia, especialmente no início da estruturação dessa indústria cultural, nacional e local, foi primeiramente legislativo, de dar condições de leis e de incentivos para que essa indústria começasse a se estruturar. No final dos anos 90, o país passou por uma crise financeira muito forte, que atingiu não só a Coreia do Sul. Na realidade, foi a crise financeira asiática, que abalou e destruiu várias economias regionais. A Coreia do Sul também foi um desses países que sentiu isso de forma muito intensa. Foi necessário então repensar as estratégias econômicas nacionais, no qual a cultura se mostrou como uma vertente importante não só para a economia do país, mas também para se pensar a estrutura de uma identidade nacional a ser exportada e ser pensada para além das fronteiras nacionais”, destacou.
Foi assim que o governo sul-coreano estabeleceu não só leis de incentivo, mas abriu cursos de comunicação nas universidades para formar pessoas que pudessem trabalhar nessa nova indústria.
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“Essas leis de incentivo, que acontecem até hoje, têm essa perspectiva de ligar a iniciativa privada à iniciativa pública. São essas leis de incentivo que incentivaram as empresas privadas a investir na cultura”, ressaltou Daniela.
Foi a partir do final dos anos 1990 que essa indústria cultural, já com perspectiva de exportação de seus produtos, começou a se estruturar. Mas foi somente no início dos anos 2000 que ela passou a adentrar o Leste e o Sudeste Asiático e, dez anos depois, começou a ser consumida de forma global. “Em 2010, a gente vê mais claramente os produtos chegando a um universo que a gente considera como esse de consumo global, com exportações e vendas de produtos variados tanto de drama de TV quanto k-pop, filmes, animações e jogos sul-coreanos”, observou a doutoranda.
A onda coreana começou a invadir os mercados globais impulsionada pelas novas tecnologias de comunicação de web 2.0 e pelas redes sociais. “E os fãs tiveram um papel muito importante nisso, com esse papel de traduzir esses conteúdos. O coreano é um idioma com pouquíssima penetração global: apenas dois países falam coreano, só a Coreia do Sul e a Coreia do Norte. Então, o trabalho de tradução desses conteúdos foi essencial para que a Hallyu como um todo pudesse chegar a diferentes partes do mundo, especialmente através de um consumo não oficial. Quando eu falo não oficial é quando não é vendido para uma emissora de televisão, para cadeias de cinema ou é tocado na rádio, mas sim através dessa circulação pirateada pelos fãs”, explicou Daniela.
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No Brasil, esses produtos começaram a chegar de forma crescente há pouco mais de dez anos, principalmente com o avanço das redes sociais e os primeiros shows de k-pop no país. “O marco que nós temos dessa virada é o início dos anos 2010 especialmente porque, nessa década, os primeiros grandes eventos de k-pop são realizados aqui no Brasil. Em 2011, recebemos um primeiro evento oficial, a vinda de um grupo de k-pop no Brasil, primeiramente através de um evento de fã, algo bem específico e, no final do ano, um show de grande porte realizado ali no Espaço Unimed [antigo Espaço das Américas], em São Paulo”, lembrou ela.
Dois anos depois, já marcado por esse impulso, instalou-se no Brasil o Centro Cultural Coreano, localizado na Avenida Paulista, em São Paulo. “Isso apontou para um consumo crescente aqui no Brasil e uma relevância do Brasil nesse meio para o governo da Coreia, já que o Centro Cultural Coreano é ligado ao consulado da Coreia aqui no Brasil. Na década de 2010 a gente vê esse crescimento no consumo. Não só o crescimento, mas também um enraizamento desse consumo aqui no Brasil”, disse.
“O Brasil é um mercado importante para a onda coreana hoje, especialmente pelo fato de estar literalmente do outro lado do mundo. O Brasil acaba sendo uma bandeira, uma prova, de que a onda coreana realmente tem uma penetração global bastante intensa”, acrescentou.
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“O Centro Cultural Coreano, desde 2013, quando foi inaugurado, começou a apresentar a cultura coreana para o povo brasileiro”, explicou Cheul Hong Kim, diretor do Centro Cultural Coreano do Brasil (CCCB), em entrevista à Agência Brasil. “Mas, desde 1963 [quando os primeiros coreanos chegaram de forma oficial ao Brasil], a vida dos coreanos já é uma apresentação cultural, já projetou a cultura coreana para o Brasil”, disse ele.
Segundo o diretor do centro, o governo tem realmente incentivado a onda coreana. “O governo tem visto que bastante gente gosta da cultura coreana, então apoia bastante.”
@curtonews A popularização de k-dramas, k-pop e filmes sul-coreanos têm ajudado a divulgar a cultura do país para o restante do mundo. Isso é resultado de um forte investimento do governo da Coreia do Sul: é o chamado Hallyu, ou onda coreana. 🇰🇷
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Atração
Para a pesquisadora Daniela Mazur, o que torna a cultura pop coreana tão atrativa para o mundo é que ela começa a pensar as estruturas culturais para além do “consumo cultural estruturado através do imperialismo estadunidense”.
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“O pop sul-coreano, no final das contas, é uma perspectiva local de lógica global que a gente já conhece mas, que de forma específica, se transforma e cria suas próprias identidades de forma local. Então, graças à força da onda coreana nas lógicas regionais e de suas próprias características – e graças às novas tecnologias da comunicação – estes produtos começam a chegar até nós e também a aderir outros consumidores que estão, em realidade, procurando outras formas de consumo desses produtos midiáticos. O interessante desses fluxos midiáticos globais é que cada vez mais eles estão mais diversos”, destacou.
E, com isso, a onda coreana mostra ao mundo que o entretenimento é muito mais diverso do que anteriormente se conhecia. “A onda coreana tem esse viés muito importante de trazer uma nova perspectiva cultural, nacional, não ocidental, não branca e não anglófona, para sermos lembrados, novamente, de que existe muito mais mundo para além desse mundo que a gente aprendeu a enxergar. Existe um universo de produção cultural, de produção midiática, que a gente pode conhecer e que a gente pode engajar para além desses polos centrais e ocidentais de consumo”, disse Daniela.
O superpremiado filme Parasita, que recebeu o prêmio de melhor filme no Oscar de 2020, ajuda a explicar essa importância da onda coreana para o mundo. “De uma forma ou de outra virou-se uma chave para poder mostrar para o resto do mundo que não existe só um centro produtor e de influência cultural global. Na realidade, estamos vivendo uma transição para um mundo multipolar de influências e de produção cultural”, ressaltou a pesquisadora.
(Com Agência Brasil)
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