O mercado de roupas de segunda mão movimentou mais de 177 bilhões em 2022. É necessário reconhecer a importância desse segmento e identificar seus possíveis impactos socioambientais.
Brechós, loja vintage, loja de segunda mão, second hand, resale (revenda): são diversas as nomenclaturas usadas para falar da comercialização de roupas usadas. No contexto brasileiro, o termo mais popular para essa prática é “brechó”, que aparentemente tem sua origem nas antigas “Casas de Belchior” que vendiam objetos usados no país.
Inclusive, a Literatura Brasileira desempenha um papel importante no registro histórico dos brechós no Brasil, como é o caso do conto “Ideias de Canário” de Machado de Assis, que poeticamente retrata o empoeirado ambiente de uma Casa de Belchior no Rio de Janeiro do século XIX.
No entanto, o cenário sujo e desorganizado descrito por Machado não corresponde necessariamente à realidade dos brechós da atualidade. Hoje, o mercado de roupas de segunda mão é um segmento bilionário, que, somente em 2022, movimentou mais de 177 bilhões de dólares e que, de acordo com o Resale Report 2023 da ThredUp, pode chegar à marca de mais de 350 bilhões até 2027.
Por ter se tornado uma oportunidade de negócios, microempreendedores, influencers e até grandes marcas de luxo e de fast fashion têm investido nesse setor e criado suas próprias marcas de revenda, a exemplo do Repassa, adquirido pela varejista Renner.
Além disso, o apelo do discurso da sustentabilidade é constante nesse mercado, e com razão: tudo indica que a comercialização de roupas usadas implica em um menor impacto socioambiental, uma vez que evita a necessidade de criar novas peças e de passar por toda a cadeia de produção da moda atual. Estudos recentes mostram que comprar e usar roupas de segunda mão, ao invés de novas, pode reduzir as emissões de carbono em 25%.
Diante desse contexto, os brechós apontam como um tipo de “moda sustentável” e são vistos como uma possível solução em larga escala para o crescente problema do descarte massivo de roupas. Contudo, é fundamental considerar a complexidade desse mercado, a fim de evitar abordagens reducionistas, visto que eles também podem criar novos problemas.
Tem sido cada vez mais comum encontrar lojas de segunda mão utilizando o termo “brechó” como sinônimo de Moda Circular. No entanto, esses conceitos são distintos.
É importante destacar que em todas as fases da cadeia de produção da moda atual há desperdício de materiais que acabam virando resíduo, não somente na etapa de pós-consumo. Por isso, a Moda Circular, na contramão da moda linear atual, opera a partir da tentativa de reduzir e reinserir esses resíduos em todas as fases da cadeia.
Desse modo, os brechós e o mercado de segunda mão em geral são apenas uma categoria da Moda Circular. Ou seja, fazem parte de somente uma etapa da cadeia – o fim dela -, em que agora, em vez de descartar as peças em aterros, elas são reinseridas no ciclo e revendidas, o que aumenta o seu Ciclo de Vida. Detalhe que elas poderiam também ser reparadas, remanufaturadas, recicladas ou até passarem por técnicas como o Upcyling.
Você provavelmente já ouviu alguém dizer que “brechó é sustentável”, mas isso não necessariamente é verdade. Embora eles tenham a tendência de serem mais sustentáveis, pois são uma forma de tornar a moda circular, há também seus próprios impactos socioambientais, uma vez que possuem uma estrutura organizacional, fornecedores, transporte e gasto de energia, por exemplo. Em larga escala, essa estrutura pode ser ainda mais complicada e, por isso, fatores socioambientais devem sempre ser considerados.
Reconhecendo essa realidade, alguns brechós já se preocupam em buscar alternativas para seus impactos, como é o caso do Desapeguei Bonito, que é o primeiro brechó lixo zero do Brasil. Sim: brechós também geram lixo!
Atualmente, alguns problemas relacionados ao mercado de segunda mão podem vir a tomar grandes proporções se não forem observados de maneira crítica. Dentre eles, destacam-se três principais: o consumo exagerado, que pode se assemelhar ao do modelo fast fashion; o colonialismo de resíduos; e a procedência dos itens vendidos.
O Fast e o Ultra Fast Fashion operam sob um modelo focado na superprodução, superconsumo e superdescarte de roupas, de maneira que esse mecanismo tem ficado ainda mais acelerado com o passar dos anos.
Porém, o mercado de segunda mão só será uma alternativa ao superconsumo e superdescarte se romper com essa cultura de consumo. Logo, se as grandes varejistas de redes de brechós começarem a trabalhar sob lógica parecida ao Fast e Ultra Fast Fashion, esse mercado pode se tornar somente mais uma forma de superconsumir roupas.
O comércio de segunda mão europeu e estadunidense tem se estruturado para descartar lixo no Sul Global, devido à conveniência e lucratividade dessa logística, o que tem sobrecarregado alguns países da África, Ásia e América do Sul com um volume excessivo de roupas usadas. Esse problema é conhecido como “colonialismo de resíduos”.
Os governos e os mercados de segunda mão locais não têm conseguido lidar com a quantidade de peças que chegam desses países do Norte e essas roupas acabam se tornando lixo. É possível identificar claramente esse impacto por meio de lixões clandestinos de roupas no deserto do Atacama e em Gana, por exemplo.
Um outro aspecto sensível é a origem dos itens vendidos nos brechós. É fundamental assegurar que essas roupas não tenham sido obtidas de maneira ilegal, como por meio de furtos ou falsificações, para manter a integridade e a legitimidade do comércio de segunda mão.
Além disso, é importante considerar a questão da origem geográfica dessas roupas. Importar roupas usadas, principalmente de regiões distantes, como a Ásia, pode contribuir para mais poluição devido ao transporte, e também ser questionável do ponto de vista ético. Inclusive, é proibido importar roupas usadas para o Brasil.
@curtonews O mercado de roupas de segunda mão movimentou mais de 177 bilhões em 2022. É necessário reconhecer a importância desse segmento e identificar seus possíveis impactos socioambientais.
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Claudia Castanheira é comunicadora socioambiental, professora e pesquisadora com foco em sustentabilidade e justiça socioambiental. É mestra em Discurso e Sustentabilidade (USP), fundadora do Brechós pelo Mundo e colaboradora do Fashion Revolution da Bélgica. @euclaudiacastanheira
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