Succession: a devastadora influência paterna retratada na aclamada série da HBO

O último capítulo da aclamada série Succession, da HBO, foi ao ar no domingo (28), com final inesperado (não vamos dar spoiller) e as redes sociais ainda fervem ao comentar o desfecho. Mas além da história sobre um magnata das comunicações e sua rede influente, bilionários, relações políticas e disputa de herdeiros, Succession revela as sequelas deixadas por um pai tirano nos seus quatro filhos. Da ficção à realidade, esses personagens - as crianças quebradas de Logan - estão presente na sociedade fora das telas. Talvez esse seja o segredo do sucesso?

Publicado por
Marcela Guimarães

Desde o primeiro capítulo de Succession, somos apresentados a um enredo que coloca em evidência as sequelas deixadas por um pai tirano nas vidas de seus filhos. Os personagens adultos enfrentam uma série de questões profundas e complexas, resultado direto da presença opressiva, e ao mesmo tempo distante, de seu patriarca. Faltam amor e cuidado.

O personagem Kendall, segundo filho de Logan e um dos protagonistas da história, é um exemplo marcante dessa dinâmica disfuncional. Em uma conversa na infância, o pai prometeu a ele a empresa da família. No entanto, ao longo da série, Logan mostra desprezo pelas fragilidade do filho, que adquire dependência química e cleptomania (rouba pequenos objetos mesmo sendo um bilionário).

“Kendall é o retrato de um filho manipulado, ao longo da vida pelo pai tirano. Ele busca fuga nas drogas, porque vive em conflito entre o que ele é e o que ele quer que a sociedade veja”, explica o psicólogo e produtor de conteúdo Ricardo Chagas. Ele costuma fazer análises de comportamentos de séries e produções da indústria Pop, entre eles da série Succession , no canal Minutos de Sanidade, no Youtube.

Kendall ( Jeremy Strong ) foi criado para ser o “herdeiro” do pai no comando da WayStar Royco. Imagem: Reprodução Twitter

Para Ricardo, cada um dos filhos de Logan demonstra fragilidades enraizadas, estreitamente ligadas à forma como foram criados pelo pai.

 “Um dos  termos que ele usa para explicar porque o filho Kendall não será seu sucessor é porque ele não é um ‘matador’ como o pai.  Para os filhos é uma obrigação simularem a personalidade do pai, tentarem ser igual a ele. Mas o que a gente vê é que nenhum dos filhos consegue fazer isso.  E aí a gente pode usar a psicologia analítica para explicar.  Os filhos têm uma Persona, eles tentam construir e modelar.  Em contrapartida, tem a questão da sombra, que na psicologia analítica é o ‘eu renegado’.  Ele surge quando a gente rechaça as nossas inseguranças para o inconsciente, e elas ficam ali… ora ou outra, essas fragilidades se manifestam”, explica.

A crianças “quebradas” de Logan Roy existem na vida real

A existência de pais semelhantes ao personagem Logan Roy fora da ficção é uma realidade inegável. Pais dominadores, poderosos e fortes têm o poder de transformar uma criança em um adulto inseguro e frágil, sem direção clara em sua vida. Assim como na série, eles podem moldar seus filhos para serem semelhantes a eles, uma “persona” que tenta imitar a personalidade do pai. No entanto, essa pressão, muitas vezes, resulta no oposto do que se quer.

Esse “eu renegado” – as inseguranças reprimidas – em momentos oportunos, afloram.

“Roman, o filho mais novo, por exemplo, revela suas fraquezas no pior momento possível: durante um discurso no funeral do pai. Ele regride, volta a ser criança, chora demais”, lembra o psicólogo.

Esse conflito constante entre a “máscara social” que desejam ter e o que realmente são, está ligado ao desejo profundo de serem amados e reconhecidos pela sociedade, reflexo da falta de amor paterno (e materno). “Isso, certamente acontece na vida real”, avalia Ricardo.

A única mulher entre os quatro filhos do magnata Logan, Shiv, talvez seja a mais parecida com o pai, nas atitudes reprováveis para conseguir o que quer – até como forma de aniquilar a ideia de fragilidade feminina que a família patriarcal tem. O mecanismo de proteção que ela usa é o deslocamento. “Ela pega a frustração que ela sente em relação ao pai e coloca em outras pessoas. Principalmente no marido, o Tom. E tem todo um jogo de manipulação”.

Shiv, a única mulher na linha de sucessão dos Roy, é a “matadora” entre o patriarcado. Imagem: Reprodução Twitter

Já o filho mais velho, Connor, decide viver afastado da disputa pela chefia da empresa, vivendo sempre do passado, precisando constantemente da aprovação paterna. Distante e descolado da realidade, ele é mais uma criança “quebrada” de Logan Roy.

A falta de amor na infância

A série Succession oferece uma visão dramática das consequências da criação por um pai tirano e distante, e nos desperta para a importância do amor, do afeto e da atenção no desenvolvimento saudável das crianças. Destaca, também, a necessidade de uma paternidade consciente e responsável.

A falta de amor na infância, quando carregada até a fase adulta, pode desencadear transtornos psiquiátricos, especialmente os transtornos de personalidade, explica o psicólogo Ricardo Chagas.

Características como falta de empatia, presente nos transtornos de personalidade borderline, narcisista e antissocial, podem ser resultado direto da negligência paterna e da busca incessante por reconhecimento. Nesse sentido, há também a personalidade histriônica, quando uma pessoa utiliza sua aparência física e age de maneira indevidamente sedutora ou provocante para chamar a atenção dos outros. Ela com frequência age de forma submissa para reter essa atenção.

“Claro que são apenas possibilidades, não significa que toda pessoa que não teve apego aos pais e não recebeu amor na infância vá desenvolver algum transtorno de personalidade”, alerta o especialista.

Porque Succession é tão envolvente? Conflitos existenciais reais e um belo roteiro 😉

A série Succession tem sido aclamada – por público e crítica profissional – como melhor série do gênero de todos os tempos, e isso tem a ver com um roteiro minucioso, que humaniza os personagens em falas e atitudes, além, claro, de permitir que o público se identifique com essas “fragilidades” de cada personagem.

“Se a série tivesse um roteiro ruim ou um roteiro mais ou menos assim, teria tudo para dar errado. Mas além de ter um roteiro incrível, ela faz com que nós, pessoas comuns, nos identifiquemos com bilionários, com pessoas que estão lá no alto. Isso ocorre porque eles [os roteiristas de Succession] fizeram um trabalho de humanização dos personagens. Tanto na identificação, quanto nos diálogos… a maneira como eles conversam é bem natural e ao mesmo tempo complexa, porque deixam nítidas as fragilidades que aquelas pessoas possuem, e o público se identifica com elas”, avalia Ricardo Chagas.

A série tem quatro temporadas e está disponível no streaming do HBO Max.

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Marcela Guimarães

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