Conforme garante a Constituição Federal, o Estado brasileiro é laico, ou seja, baseado na premissa de que todas as religiões e crenças são livres e devem ser tratadas com igualdade, exceto se manipuladas para benefícios políticos. Porém, olhando para o passado e o presente, grande parte dos brasileiros ainda mistura suas convicções religiosas com o espaço e a vida pública. Leia e ouça o que dizem dois estudiosos do assunto.
Por todo o mundo, o tema é constante motivo de polêmicas. Mas, afinal, qual é a verdadeira definição de “Estado laico”? De maneira resumida, é aquele em que a administração do governo está separada e independendente de influências da religião.
Mas o conceito da laicidade do Estado vai bem além disso, como explica a professora de Direito Constitucional da USP, Joana Zylbersztajn, também foi autora do livro “A laicidade do Estado Brasileiro”
Segundo a professora , existem algumas características fundamentais que nos ajudam a identificar o Estado laico. São elas:
Elementos constitutivos:
Faça download da Cartilha “Laicidade: O Que É?”, do Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ) com a mandata da Vereadora Marielle Franco (PSOL).
Não, Estado laico não é sinônimo de Estado ateu.
Isto porque, segundo a professora Joana Zylbersztajn, dizer que o Estado é laico não é dizer que ele é contra a religiosidade. Mas ele também não escolhe uma delas, ou seja, ele reconhece a crença em Deus, mas não escolhe um.
“Deus não é um assunto para o Estado [laico]”, reforça. Seu dever se limita a proteger as diferentes manifestações da fé. Ouça:
Segundo o professor de Direito da USP, Leonardo Rosa, dizer que um Estado é laico, não significa dizer que ele se mantém absolutamente separado da religião.
A confusão é recorrente, segundo o professor, mas é impossível isolar as dois fatores tão importantes na vida social contemporânea:
“O Estado inevitavelmente se relaciona com a religião, e fazê-lo de forma saudável é o que podemos esperar desse tal de Estado laico.”
Qual o papel desse modelo? Por que ele é defendido historicamente? Quais são suas vantagens? De acordo com o professor Leonardo, seu valor está na proteção de direitos e na garantia de liberdades.
Ouça um trecho da entrevista do Curto News com o o professor de Direito Leonardo Gomes Penteado Rosa:
Segundo a professora Joana Zylbersztajn, alguns fatos históricos podem ajudar a explicar por que parte das pessoas ainda resistem ou demonstram dificuldade em assimilar o que propõe o Estado laico.
No Brasil, 90% da população se diz cristã. O país tem histórico de maioria católica, e é comum que diferentes grupos que ocupam lugares hegemônicos tenham “percepção de privilégios”. Católicos têm feriados e leis que preservam suas crenças, algo que outras religiões não têm.
“A gente tem visto esse deslocamento do poder religioso dos católicos para os evangélicos. É difícil para católicos verem a opressão religiosa sobre os demais porque eles não vivem isso. É difícil para brancos entenderem o racismo de uma maneira estrutural. É difícil entender seus privilégios e o tipo de impacto que isso tem na sociedade”, explica Joana.
Ouça esse trecho da entrevista:
Já o professor Leonardo Penteado explica que o fato de o Brasil ser uma país religioso de maioria cristã não dá o direito para que essa única visão se imponha à sociedade ou governo a vida dos cidadãos. “Da mesma forma não se precisa ‘laicizar’ a sociedade, porque isso seria modificar as crenças das pessoas, uma violação da liberdade religiosa. As pessoas não podem utilizar o Estado para impor seus dogmas a terceiros, e também o estado não deve combater as crenças religiosas das pessoas.”
Ouça o que mais disse o professor Leonardo:
Por outro lado, os professores Joana e Leonardo explicam que a existência do Estado laico não é suficiente no combate a discriminação e violência religiosa. Estados em que há uma religião oficial, como a Argentina e a Inglaterra, há liberdade de religião, enquanto no Brasil, em que existe um Estado laico, “há um processo de discriminação sobre o assunto”.
Ouça o que disse o professor Leonardo: sobre esse tema:
Sobre a definição de “Estado laico”, o Observatório da Laicidade na Educação da Universidade Federal Fluminense concorda que “é mais fácil dizer o que ele não é. Como a democracia”. Assim, mesmo que não seja garantido na Constituição, um Estado se torna laico quando se legitima exclusivamente a partir da soberania popular – e não depende da religião.
“O primeiro resultado da laicidade é que o Estado torna-se imparcial em matéria de religião, seja nos conflitos ou nas alianças entre as organizações religiosas, seja na atuação dos não crentes. O Estado laico respeita, então, todas as crenças religiosas, desde que não atentem contra a ordem pública, assim como respeita a não crença religiosa. Ele não apoia nem dificulta a difusão das ideias religiosas nem das ideias contrárias à religião.” (OLÉ)
Carimbar o conceito não é uma tarefa simples, segundo o Observatório, porque pressupõe a observação e mudança progressiva de vários aspectos daquela sociedade.
“A laicidade do Estado é um processo. Antigamente, todos os Estados baseavam sua legitimidade no sagrado, de modo que o rei ou imperador era considerado um Deus ou seu filho ou seu enviado. (…) Não existe no mundo um Estado totalmente laico, como não existe um Estado totalmente democrático. Como a democracia, a laicidade é um processo, uma construção social e política.” (Observatório da Laicidade na Educação – Universidade Federal Fluminense)
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