Inteligência Artificial rouba a cena no Festival de Cannes

Inteligência Artificial rouba a cena no Festival de Cannes

No auge de sua popularidade (e controvérsia), a inteligência artificial (IA) invadiu os corredores do prestigiado Festival de Cannes — não só como tema de filmes, mas também como ferramenta de bastidor. No epicentro do cinema mundial, a IA divide opiniões: enquanto alguns a veem como catalisadora de inovação, outros temem sua influência sobre a criatividade humana.

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Nas telas, a IA tem sido retratada como vilã. Em Missão: Impossível – Acerto Final, fora da competição oficial, Ethan Hunt (Tom Cruise) enfrenta uma inteligência artificial hostil e descontrolada, cuja missão é exterminar a humanidade. A narrativa, ainda que fictícia, ressoa com o medo contemporâneo de que a tecnologia escape ao nosso controle.

Mais sutil — mas igualmente inquietante — é o drama psicológico Dalloway, do diretor francês Yann Gozlan. Nele, uma escritora (vivida por Cécile de France) tenta superar um bloqueio criativo recorrendo a uma IA generativa. O que começa como apoio vira dependência. A IA, cada vez mais intrusiva, leva a protagonista a questionar suas próprias intenções e autoria. “Será uma ferramenta que acabará por nos escravizar e substituir?”, indaga Gozlan. “É realmente preocupante.”

O diretor também aponta um risco criativo: “Quando você terceiriza uma tarefa, aos poucos perde a capacidade de executá-la.” Ele admite que alguns roteiristas já usam ferramentas como o ChatGPT — mas alerta para a linha tênue entre auxílio e atrofia criativa.

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Do lado do mercado, a abordagem é mais pragmática. No Marché du Film, o maior mercado de cinema do mundo, empresas oferecem soluções baseadas em IA para otimizar custos e acelerar processos de produção. Uma delas é a Largo.ai, plataforma que analisa roteiros, sugere elencos ideais e prevê até o desempenho comercial de um filme. “A IA pode expandir os limites da criatividade humana, não substituí-la”, afirma Sami Arpa, cofundador da empresa. “Ela abre novos horizontes e permite a descoberta de gêneros inéditos.”

Com mais de 600 clientes na Europa e nos Estados Unidos, a Largo.ai aposta na IA como assistente estratégica — e não como concorrente criativa. “Ela acelera processos e coloca o humano no centro da criação”, defende Arpa.

Já Thierry Frémaux, diretor-geral do Festival de Cannes desde 2007, adotou um tom mais sereno diante do debate. “No campo da literatura e do roteiro, não há motivo real para pânico”, afirmou. Com bom humor, citou Marcel Proust: “A IA não vai imaginar que alguém prova uma madeleine e, 500 páginas depois, temos um romance inteiro.” E concluiu com uma declaração firme: “Venho da escola francesa de proteção aos autores. A defesa dos criadores é inegociável.”

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Em Cannes, a inteligência artificial está longe de ser coadjuvante. Entre aplausos e apreensões, ela se torna protagonista de um novo capítulo da sétima arte — um enredo ainda em construção.

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